Distraídos do essencial pela retroactividade dos impostos

Tendo em conta a situação económico-financeira de Portugal, o Governo decidiu aumentar vários impostos. Primeiro, foi o imposto sobre as mais-valias bolsistas e, depois, o IRS, entre outros

quando todos esperávamos o enfoque do debate na questão de fazer ou não sentido aumentar o imposto sobre as mais-valias bolsistas e qual o montante do aumento, acabámos por nos aperceber que a grande discussão foi a questão da aplicação da retroactividade desse imposto.

pouco mais tarde, surge o anúncio do aumento do irs. já nem falo que deveríamos discutir, ou pelo menos, assegurar que todos sabem quais os objectivos de cada um dos impostos (por exemplo, sabem quais são os objectivos da existência do imposto automóvel ?). pelo menos, deveria discutir-se qual o aumento, caso se justifique um aumento, do irs, nos seus vários escalões.

mas eis que voltamos a ter a principal discussão, de políticos e público em geral, focada noutra questão: deve haver retroactividade do imposto ou não? novamente a situação se repete com a medida de que as instituições financeiras terão de declarar ao estado os rendimentos das poupanças dos portugueses, não apenas do ano 2010, mas já de 2009.

na minha opinião, ‘alterar as regras a meio do jogo’ não é bom sinal. descredibiliza o ‘árbitro’ que as altera e retira confiança nesse ‘árbitro’ por parte de quem está a jogar. e, no caso das mais-valias bolsistas, é descredibilizar portugal como local de investimento e retirar-lhe confiança, num momento em que a palavra–chave para o nosso país é precisamente a contrária: gerar confiança nos portugueses e nos estrangeiros para investirem cá e nos emprestarem dinheiro. no caso do irs, por que não fazer um aumento de 2% ou 3% apenas na segunda metade de 2010, em vez de 1% ou 1,5% durante todo o ano? assim, evitava-se perder a credibilidade resultante de ‘mudar as regras a meio do jogo’.

a resposta de muitos será: mas 2% ou 3% é um número mais elevado do que 1% ou 1,5%, e assim teria um impacto mais forte, ‘assustando’ mais as pessoas.

é verdade. mas o meu gosto pelo tema da negociação leva-me a pensar, também, num possível cenário de ‘distracção’, ou seja, de nos distrairem do que realmente é relevante e que deve ser discutido (que referi acima), fazendo as pessoas focarem-se essencialmente na questão da retroactividade dos impostos e já não na questão-chave de haver ou não haver aumento de impostos. em português popular, dir-se-ia que nos ‘desviaram a atenção do essencial para o acessório’, para não vermos as questões realmente importantes, e focarmo-nos noutras menos importantes.

para além disso, é sempre uma situação de ‘vitória garantida’ para oggoverno. pois, mesmo que o governo se veja forçado a recuar na questão da retroactividade, os seus oponentes vão sentir-se vitoriosos e já não irão discutir a questão principal – o aumento dos impostos.

ou seja, o governo já garantiu que o aumento dos impostos não vai gerar uma reacção tão negativa quanto se poderia esperar, pois a grande reacção negativa acabou por estar essencialmente focada na questão da retroactividade e não na questão do aumento dos impostos.

é uma táctica de negociação que muitas vezes resulta. parece que neste caso funcionou…

pedro fontes falcão – gestor de empresas