desde que descobri a rádio amália, sinto que ganhei uma nova alma. estou mais fatalista, mais introspectiva, mais nostálgica. estou mais portuguesa. e a culpa é da rádio amália, cujo slogan poderia ser, com liberdade ortográfica: ‘ouvi-la é amáli-a’. oiço-a sempre que ando de carro e que vou sozinha, já que o meu filho com 15 anos não é obrigado a levar com tal xarope e ainda faço alguma cerimónia com as pessoas a quem dou boleia.
a rádio amália é uma viagem ao ‘eu’ mais profundo de portugal, tanto pelo conteúdo musical que passa, como pelas intervenções dos ouvintes, que nos brindam com grandes momentos de calor, de romantismo e de sinceridade. há certas horas em que se pode telefonar e pedir músicas – à semelhança do que se passava na minha infância a ouvir quando o telefone toca na rádio renascença. a diferença é que na rádio amália só se pode pedir fado, quanto muito um fado–canção, que é uma coisa que nunca percebi bem o que pretende ser, porque, para mim, o fado ou é de lisboa, de coimbra ou do ribatejo, ou é arrumadinho ou é vadio, mas uma canção nunca será.
sei de cor menos de meia dúzia de fados, aprendidos na adolescência, no tempo em que as meninas sabiam tocar viola, sendo o ‘fado da sina’ o preferido, graças à sua letra intrincada, à sua mensagem fatalista e à sua melodia castiça. o fado trata o outro por tu, explicando-lhe que o seu destino está traçado e que nada o poderá mudar. reza-te a sina nas linhas traçadas na palma da mão, que duas vidas se encontram cruzadas no teu coração. fala de amargura e de sofrimento, concluindo, já que a má sorte assim o quis e a tua sina te diz, que até morrer, terás de ser sempre infeliz. segundo este fado, uma pessoa que vive um amor destroçado nunca mais consegue recuperar. não mais poderá fugir ao negro fado brutal, ao teu destino fatal, que uma má estrela domina, concluindo que, quer queira quer não, terá de cumprir a sua sina.
ora aqui está um forma racional, positiva e construtiva de encarar o amor! é por causa deste malfadado fatalismo que em portugal se sofre tanto por amor, e mais, se sofre por amor com tanta devoção e militância. nenhum povo europeu chora com tanto fervor como nós. daí o famoso ditado: ‘quem não chora, não mama’.
o fado pode fazer bem à identidade nacional, pode até ser uma bandeira para o mundo, sobretudo desde que foi integrado na pomposa categoria de world music, mas não acho que faça algum bem nem à alma nem ao coração.
este sofrimento militante endógeno, esta propensão para a desgraça emocional atrasa a evolução da espécie. enquanto uma pessoa chora por amor, está a desperdiçar energia que poderia ser utilizada em: 1) trabalhar; 2) divertir-se; 3) tratar de si; 4) tratar dos outros; 5) comer um gelado à beira-mar; 6) procurar alguém que a faça feliz. é assim tão complicado bater com a porta e seguir em frente? não. é apenas uma questão de postura.
margarida rebelo pinto