O pau de selfie

Todos já vimos pelo menos um. É um pau desdobrável que esticado fica comprido e na ponta tem uma espécie de gancho ajustável capaz de segurar um smartphone; mesmo aqueles que parecem um tablet, porque o pau de selfie é inclusivo. Na sua máxima extensão mede cerca de um metro. Liga-se a qualquer smartphone com…

O selfie stick ou monopod, aqui tratado como ‘pau de selfie’ é, digamos, o passo seguinte inevitável na cavalgada da integração das máquinas fotográficas em todos os dispositivos possíveis; é a evolução lógica do encadeamento da produção de imagens em catadupa para uma posteridade que dura tanto quanto a capacidade de armazenamento do smartphone – e depois tanto quanto a nuvem conseguir aguentar. Senão, as redes sociais também servem de arquivos vivos.

A selfie (da qual já falei aqui) é o auto-retrato dos nossos tempos. Quando dela falei, em Dezembro de 2013, a selfie ainda obedecia a uma série de regras e era mais comum num grupo etário marcadamente jovem, já hoje em dia é absolutamente transversal e está mais do que banalizada. De tal forma que faz parte do vocabulário de quase toda a população ocidental e mais: a Kim Kardashian está prestes (consta que é para Maio e que sairá pela Rizzoli) a lançar um livro dedicado às suas selfies, em jeito de antologia arquetípica.

Tenho para mim que o pau de selfie foi criado por causa dos roubos de máquinas fotográficas e smartphones: porque a angular não é lá muito grande à distância máxima que o braço do mais alto do grupo proporciona e porque acabam por não caber todos no retrato, o comum é pedir-se a alguém que tire a fotografia. Pelo menos a tradição era assim. Agora, quando o smartphone é diário – e computador e agenda e tudo em um –, pedir a alguém que tire o retrato implica, no acto simbólico de entregar a ‘máquina’ ao estranho, mas que é responsável por condensar toda a acção do grupo, confiar a vida a alguém que pode simplesmente escafeder-se com ela. E perante essa hipótese, tenho a certeza que se pensa duas vezes, e que da segunda vez que se pensou houve alguém que agora está ‘gazilionário’ – caso tenha registado a patente – se teve a brilhante ideia de arranjar um artefacto que mantivesse a sua existência em segurança e dispensasse o pedido a terceiros, abolindo assim a última sobra de analógico reservada à fotografia: o pedir a alguém que tire um retrato. E assim terá nascido o pau de selfie.

Na passada semana li uma notícia que informa que em festivais como o Coachella ou o Lollapalooza, nos EUA, o pau de selfie foi banido. A Condé Nast tem uma lista de locais onde o pau de selfie também foi banido.

Mas se o espectáculo sou eu e a minha acção em determinado local, e se é essa acção individual, difundida em redes sociais, que cria burburinho em torno de determinado acontecimento e os anfitriões desses eventos se congratulam com esse feed residual, para quê banir o uso de um dispositivo que lhes dará mais retorno? É assim tão difícil para os ídolos entender que a idolatria está em vias de extinção?

Se o espectáculo já era o eu, com o pau de selfie o espectáculo aniquilou o próximo definitivamente, deixando apenas um vestígio: a presença de um pau em todos os enquadramentos, detalhe com o qual ninguém parece estar muito preocupado.

A selfie é hoje tão famosa como o ‘Zé dos Plásticos’ e o pau de selfie não fica atrás: foi o presente mais oferecido no Reino Unido no Natal passado. Veio para ficar. Potencia o individualismo e ajuda muito a que se façam aquelas piadas de internet com o hashtag #foreveralone.

Se nos anos 1970 em todas as fotografias havia umas bocas de sino ou uns colarinhos compridérrimos, auspicio que dentro de algum tempo conseguiremos identificar os anos dez do nosso tempo através da presença de paus em todas as fotografias.

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