Mangueiras fora de prazo tornam gás de botija explosivo

Em quatro anos, as explosões de gás GPL – sobretudo em botija – provocaram, pelo menos, 15 mortes e fizeram 40 feridos graves. Os números são da Associação Portuguesa de Técnicos de Segurança e Protecção Civil (Asprocivil) e dão conta de uma realidade dramática que todos os anos mata em Portugal.   

O mais recente caso aconteceu em Espinho (Braga), em meados de Abril. Um casal e os seus dois filhos ficaram gravemente feridos na sequência de uma explosão de gás de botija, tendo sido hospitalizados na unidade de queimados do Hospital de São João, no Porto. O pai, João Oliveira, de 43 anos, não resistiu aos ferimentos. Tinha mais de 80% do corpo queimado. Já os filhos, revelou então fonte do hospital do Porto, têm queimaduras de 2.º e 3.º grau em 60% do corpo. As autoridades estão ainda a apurar as causas da explosão, mas a Protecção Civil não hesitou em apontar na direcção de uma fuga de gás.

Falta de informação
A Asprocivil atribui estas catástrofes essencialmente à falta de informação (ver infografia). «As pessoas não sabem o que fazer para proteger-se», explicou ao SOL o presidente da associação, Ricardo Ribeiro. «O problema é muito maior com as botijas de gás por causa das mangueiras. Apesar de terem uma validade, é muito frequente estar ultrapassada», lamenta. E critica a inércia das autoridades que deveriam actuar na matéria. «Falta fiscalização. Nas casas novas, construídas recentemente, à partida não há grande problema. Mas nas mais antigas não está a ser feita», avisa. 

Todas as mangueiras por onde passa o gás deveriam ser trocadas ao fim de cinco anos – nesse hiato de tempo, é ainda obrigatório por lei fiscalizar o estado das mangueiras. Mas poucos são os que sabem disto. «Quando me avisaram, fui verificar, e tinham passado mais cinco anos sobre os cinco da validade das mangueiras», confessa uma moradora de Lagos, no Algarve. 

Foi precisamente no Algarve que se deu, em 2013, uma das explosões mais violentas dos últimos anos e  sem sobreviventes. Em Lagoa, o pintor inglês Glynn Uzzell, de 84 anos, foi uma das vítimas da explosão de gás que destruiu quase por completo a sua casa na Caramujeira,  onde vivia desde 1979. Também o seu companheiro, Paul Fonck, luxemburguês de 73 anos, sucumbiu aos ferimentos.

Já em Setúbal – uma das zonas em que a Sociedade Portuguesa de Fiscalização Técnica (SPFT) realizou mais inspecções tanto este ano como no ano passado, a par de Lisboa – uma explosão, ocorrida há sete anos chegou mesmo a tribunal. Colocou em causa a segurança estrutural de um prédio, com 50 famílias a serem obrigadas a abandonar as suas casas durante quase um ano e meio. O Ministério Público acusou três técnicos de gás – que dois dias antes tinham estado a fazer uma inspecção ao edifício – de negligência em crimes de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas. No julgamento, que começou em Janeiro e ainda decorre, os pedidos de indemnização ascendem a quatro milhões de euros.

Inspecções mal feitas
A falta de formação e de credenciação de quem fiscaliza é, precisamente, outro dos problemas apontados pela Asprocivil. «É fundamental aumentar o grau de exigência das formações e exigir certificação», considera Ricardo Ribeiro. E aponta o dedo à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), que, sublinha, «mantém uma relação privilegiada com os operadores deste mercado». Por isso, acrescenta o responsável, «poderia pressioná-los a cumprir determinadas regras para autorizá-los a funcionar. E não o faz». 

Outra autoridade com responsabilidade nesta matéria é a Direcção-geral da Energia e Geologia, à qual cabe assegurar a fiscalização, podendo utilizar empresas credenciadas para o efeito. Esta entidade tutelada pelo Ministério do Ambiente não respondeu, porém, às questões do SOL sobre as fiscalizações. 

Entretanto, desde 2011, já ocorreram, pelo menos, 16 explosões de gás: na Guarda, em Figueira de Castelo Rodrigo, na Foz do Douro (Porto), Santo André, Mafra, Charneca da Caparica, Câmara de Lobos, Algés (Lisboa), Vila Nova de Cerveira, Murça, Tremo (Coimbra), Quinta da Areeira (Fundão) e em Lagoa. Este ano, explodiram habitações em Vila Real, Paredes de Coura (Viana do Castelo) e em São Martinho de Espinho (Braga).

Mais pesado do que o ar
A questão, lembra ainda Ricardo Ribeiro, é que há «sempre» um risco associado ao gás. Das cerca de quatro mil inspecções realizadas pela SPFT este ano, sobretudo em Lisboa e Setúbal, em cerca de 5% foram detectados defeitos críticos, ou seja, fugas de gás e monóxido de carbono (conhecido pela 'morte silenciosa' que provoca). O Instituto Tecnológico do Gás (ITG), outro dos grandes operadores deste mercado, que fez este ano 11.405 inspecções, que se somam às 41. 244 realizadas no ano passado, detectou fugas nas instalações, ligações não metálicas fora do prazo e também fugas de monóxido de carbono, devido à má ventilação e exaustão dos produtos de combustão.

Mas o gás de garrafa tem de facto mais riscos do que o natural: é mais pesado do que o ar, tendo uma maior capacidade calorífica – o que o torna mais perigoso em caso de fugas, explicou ao SOL Luís Cardoso, director técnico da SPFT. «Se houver uma fuga, o gás não se vai dissipar por uma janela. Vai acumular junto ao chão e encher. Se houver uma ignição (faísca) haverá uma explosão violenta», alerta. E acrescenta: «A questão é que uma garrafa tem muito gás acumulado e em caso de sinistro funciona como uma 'bomba'». O mesmo especialista considera que cinco anos para fazer inspecções de gás é «um lapso de tempo enorme».

E os especialistas são unânimes: os utilizadores desconhecem os riscos. Renato Vitorino, do ITG aconselha a estar atento ao cheiro: «Ao gás (GPL ou GN) é adicionada uma substância odorizante que possibilita a identificação de uma fuga através do 'cheiro a gás'».

sonia.balasteiro@sol.pt