Veneno

O boletim de inverno do Banco de Portugal (BdP) regressou com más notícias.

as projecções que a venerável instituição propõe para a economia portuguesa em 2012 são piores do que más. nas previsões de outono, o bdp admitia que a contracção da riqueza criada no país fosse de 2,2 %. no inverno, a quebra estimada passou para 3,1%. quase um ponto em três meses.

porquê este mergulho nos abismos da recessão? as projecções do banco não deixam grande margem para dúvidas: o que está a afogar o paciente é o remédio que lhe receitaram.

vamos por partes: o banco prevê uma quebra no investimento de 12.8%. esta projecção representa um trambolhão dos diabos, substancialmente pior do que os núme- ros admitidos no outono. o governo bem pode dizer que está a fazer tudo certo, mas as palavras valem de pouco.

quando se mergulha um país na recessão, escasseiam os motivos para investir. em circunstâncias deste tipo, os decisores procuravam compensar a quebra no investimento privado com aumentos no investimento público e favoreciam o consumo das famílias. mas o modelo da troika e do governo recusa explicitamente este caminho em nome da diminuição das importações.

pelo contrário, o seu caminho é o da austeridade. a quebra admitida para o consumo das famílias é, agora, de 6%, quando as projecções anteriores se ficavam por 3,5%. por outras palavras, o relatório reconhece que os efeitos do modelo que está a ser posto em prática serão mais drásticos do que os inicialmente previstos. os cortes e a taxação nos rendimentos do trabalho e das pensões, apresentadas como virtuosos e necessários, transformaram-se no principal factor de afundamento do país.

o governo também não contava com a deterioração da economia na europa. passos coelho e vítor gaspar apostaram todos os trocos na casa das exportações. garantiram-nos que o seu impetuoso crescimento acabaria por compensar os efeitos malignos da austeridade. quem avisou contra esta imprudência foi acusado de despesista e velho do restelo. mas agora é o insuspeito bdp que vem arrefecer as suas próprias previsões para o crescimento das exportações.

porquê? porque a cura que está a ser aplicada em portugal, na grécia e na irlanda, foi estendida a espanha, o nosso maior parceiro comercial, ao reino unido e a itália, e ainda a uma pequena miríade de estados no leste europeu.

a praga da austeridade está a espalhar-se. os seus efeitos já atingiram as economias francesa e alemã, que entraram em estagnação. como 80% das nossas exportações se destinam à europa, não é difícil somar dois e dois. a actual política europeia, que é aquela em que o governo português acredita e a que obedece sem pestanejar, é veneno. puro veneno.