Estados de alma

1. Mais mercado de trabalho. Na passada semana elogiei as propostas do relatório Uma Década para Portugal relativas ao mercado de trabalho. Nelas destacam-se o contrato único, a agilização dos processos administrativos de despedimentos, a redução da TSU e o crédito fiscal. Um verdadeiro programa de mercado para os problemas estruturais do mercado de trabalho.

2. Pela direita. As propostas do PS para o mercado de trabalho ultrapassam pela direita o PSD que, estou seguro, poderia e desejaria subscrever muitas delas mas que, agora, perdeu a iniciativa. Julgo que esta situação é muito o resultado da coligação com o CDS, que tem uma visão assistencial e antiliberal do funcionamento do mercado de trabalho. Paradoxalmente, o CDS arrasta o PSD para a esquerda.

3. Externo. Fiz uma busca da palavra 'externo' (de défice externo ou dívida externa) nas 95 páginas do relatório. Duas menções: uma, descritiva,  logo na página 9,  quando narra a história do ajustamento; outra, prescritiva, que reza: «Assim, serão estratégias baseadas na inovação e no aumento do valor acrescentado das exportações as que poderão ser relevantes se se pretender  corrigir de forma estrutural e  sustentável o défice externo da economia portuguesa» (página 16). Muito pouco e  muito vago. Sobretudo muito arriscado, pois todo o programa do PS expande a despesa interna no curto e médio prazos (pela via orçamental ou dos estímulos ao consumo) a troco promessa de 'amanhãs que cantam'. Foram estas políticas que geraram anos consecutivos de défices externos da ordem de 10% do produto na primeira década do século.

4. Responsabilidade orçamental. Aplaudi a proposta de solicitar ao Conselho de Finanças Públicas uma análise das implicações para as contas públicas das propostas do 'Relatório para a Década'. Aplaudi na condição de isso ser uma prática extensível a todos os programas partidários em todas as eleições nacionais. Acho mesmo que devia ser uma responsabilidade estatutária do Conselho (que, por isso, sempre defendi dever-se chamar Conselho para a Responsabilidade Orçamental). Entendo que o PS discorde por puro cálculo eleitoral. Entendo menos que o comentador Marcelo Rebelo de Sousa alinhe pelo mesmo diapasão, argumentando que isso seria colocar os resultados eleitorais nas mãos de tecnocratas não eleitos. Errado! Seria apenas fornecer informação independente aos eleitores que, com total liberdade mas com plena consciência, poderiam escolher ainda assim  propostas com péssimas implicações para as contas públicas. No fundo, votariam mas saberiam que teriam de pagar.