Mudar de curso será mais difícil

A média de 18 valores permitia-lhe entrar em muitos cursos, mas foi o de Medicina Dentária que Madalena Rodrigues, de 20 anos, escolheu. Bastaram-lhe poucos meses para perceber que o seu futuro não passava por aí: desistiu no início do segundo semestre. Acabou por voltar a candidatar-se e entrou em Sociologia (está agora no segundo…

A vocação está na origem de muitas mudanças de curso no primeiro ano do ensino superior  – que nas universidades públicas acontecem com 9,7% dos alunos e nos politécnicos públicos com 7,5%  (no privado, as taxas são de 11,9% e 6,1%), segundo dados do Ministério da Educação e Ciência (MEC). Mas não só: muitos estudantes entram em cursos que não querem para poderem transitar mais facilmente para aquele que era a sua primeira opção, mas no qual não conseguiram entrar por falta de média. 

Mudanças de curso logo no 1º ano vão acabar
Ana Branco, de 22 anos, é um exemplo dessa tentativa de mudança, embora ainda sem sucesso. O seu percurso conturbado no ensino superior conta já com a passagem pelos cursos de Arqueologia e de Línguas, Literaturas e Culturas. O seu sonho sempre foi Ciências da Comunicação, mas nunca conseguiu entrar por não ter nota suficiente. Como os cursos são da mesma instituição – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas -, já tentou mudar internamente e também não conseguiu. Terá agora uma última oportunidade, pois a inscrição numa faculdade caduca ao fim de quatros anos sem completar um ano de estudos. «Vou fazer o exame nacional de História para aumentar a média e conseguir entrar em Ciências da Comunicação», conta ao SOL.

O Governo quer acabar com formas «fictícias» de aceder ao ensino superior e prepara-se para impedir os alunos de recorrerem ao regime de transferência e mudança de curso logo no primeiro ano. Segundo a proposta de Regulamento dos Regimes de Mudança de Curso, Transferência e Reingresso no Ensino Superior, só depois de frequentarem um ano é que os estudantes podem pedir para ingressar noutro curso ou serem transferidos para outra instituição. 

«O objectivo é evitar esta via-travessa de ingresso», explica ao SOL Daniel Freitas, presidente da Federação Académica do Porto, uma das 11 associações académicas e de estudantes que deram parecer positivo à maioria das alterações propostas neste novo regulamento. 

O estudante admite que as vagas para a mobilidade que são fixadas pelas instituições «não estão a ser usadas preferencialmente por alunos insatisfeitos ou que mudam de zona de residência, mas como uma estratégia para os alunos que não conseguem entrar no curso que querem. Tem sido uma forma de contornar as regras do regime geral de acesso». 

Agora, a mudança de curso só passa a ser possível a partir do segundo ano e os alunos são obrigados a ter as mesmas «condições habilitacionais» exigidas aos candidatos que vêm de fora. Por exemplo: quem que mudar de Enfermagem para Engenharia Civil tem de apresentar notas de duas provas específicas (Matemática e Físico-Química), mesmo que digam respeito a exames nacionais feitos em anos anteriores. 

Passar de politécnico para universidade vai ser proibido

Daniel Freitas reconhece que actualmente as regras das transferências variam de instituição para instituição, o que «gera injustiças», pois as que querem captar alunos facilitam a transferência. Já as que têm muita procura são mais restritivas e exigentes. O parecer das associações sobre a proposta do Governo, a que o SOL teve acesso, reconhece, por isso, que o novo regulamento vem «retirar a autonomia às instituições para definirem estas condições de acesso». 

O Governo quer ainda introduzir uma mudança profunda ao proibir as transferências entre subsistemas de ensino. Ou seja, deixa de ser possível mudar de uma universidade para um politécnico e vice-versa. «Neste ponto, somos completamente contra», nota Daniel Freitas. «Esta mudança parte do princípio de que os cursos são diferentes entre instituições (muda-se o conceito de 'mesmo curso') mas na prática muitos não são: habilitam para as mesmas áreas e dão as mesmas competências profissionais». 

O Ministério garante ao SOL que estas novas regras não vão impedir a mobilidade dos alunos nem estes ficarão impedidos de reconstruir o seu percurso através da transferência ou da mudança de curso. «O que se impede são os abusos conhecidos de entrada fictícia num curso com o objectivo de entrar noutro, iludindo as regras de acesso e assim ultrapassar os colegas que seguem as normas prescritas. Com o projecto, procura-se aumentar a justiça do sistema numa perspectiva de rigor sem impedir a mobilidade».

As novas regras estão ainda em debate. Além do parecer dos estudantes, a tutela vai agora apreciar os dos reitores e dos politécnicos.

Questões económicas e desilusão explicam abandono
Leandro Almeida, investigador da Universidade do Minho, diz que por trás do elevado número de desistências e mudanças de curso está também uma grande dose de frustração. «Por vezes, os alunos entram com ambições e expectativas demasiado elevadas e optimistas, sentindo particulares dificuldades na sua adaptação académica, pois algumas dessas expectativas simplesmente não se concretizam», diz ao SOL. 

Além disso, acrescenta, «entram com expectativas marcadas por uma especialização científica e técnica na área do seu curso e de uma dada profissão escolhida e por vezes, no 1.º ano, as unidades curriculares são demasiado teóricas».

Orlanda Tavares, investigadora do Centro de Investigação de Políticas de Ensino Superior, refere que os alunos preferem o público ao privado e o universitário ao politécnico. «Quando não têm as médias exigidas para determinados cursos mais selectivos e para instituições universitárias públicas, não escolhem em função da sua preferência mas do critério económico da proximidade. O facto de não estarem na instituição preferida pode levá-los a pedir transferência, a parar temporariamente para melhorar as médias ou simplesmente desistir».

Para Daniel Freitas, presidente da Federação Académica do Porto, é preciso dar mais apoio aos alunos insatisfeitos e em risco de desistência. «É preciso que as instituições acompanhem os estudantes e ajudem a reorientá-los para o sistema, antes que eles desistam».

O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) considera que as situações de abandono escolar podem ter várias explicações: «Questões de ordem vocacional, dificuldades em corresponder ao grau de exigência da formação superior, dificuldades de gestão de tempo/carga horária (especialmente no caso dos mestrados), desmotivação gerada por expectativas goradas, défices de formação de base, percepção de dificuldade de empregabilidade em algumas áreas e dificuldades económicas ou entrada no mercado de trabalho».

'Muitos param por causa das propinas'
A história de Bruna Reis tem um pouco disto tudo. De 22 anos, entrou em Estudos Asiáticos em 2010 e como o curso não tinha a componente de língua que desejava (o coreano) mudou-se para Línguas, Literaturas e Culturas, mas teve de fazer uma pausa devido a um problema de saúde. Depois, escolheu fazer o minor em Ciências da Linguagem: um mini-curso com cadeiras realizadas de opções livres que tem a duração de um semestre. A ideia era pedir depois a transferência para esta licenciatura, mas não tem recursos financeiros suficientes. 

«Nem sequer quero enfrentar o facto de que tenho um ano de propinas ainda por pagar à faculdade. Há muitas pessoas que param ao fim de um ano porque deixam de conseguir pagar as propinas. Neste momento, a minha dívida impede a minha reinscrição porque não sei se vou conseguir continuar a pagar», explicou ao SOL. 

rita.carvalho@sol.pt
simoneta.vicente@sol.pt