Sentir-se ou não um palhaço

Se todas as forças políticas que se preparam para concorrer às legislativas se apresentarem a sufrágio, os eleitores serão confrontados com o mais extenso boletim de voto de sempre: 18 listas de candidatos, envolvendo 22 partidos e movimentos, alguns deles organizados em coligações.

Nunca a democracia esteve tão forte e pujante, dirão os cínicos, sabendo que se passa exactamente o contrário. São a frustração e o desencanto que explicam a multiplicidade da oferta, com a renovação de velhas utopias, o voluntarismo de uma ruptura com o 'sistema' sem que se perceba bem o que se propõe como alternativa, ou a simples ambição pessoal de figurinhas e figurões apostados em conquistar o seu lugar ao sol.

Alguns são novos partidos, na maioria nascidos de dissidências à esquerda, mas isso não quer dizer que sejam partidos novos. Ainda assim, há diferenças significativas entre eles, incluindo quanto ao método de afirmação das respectivas lideranças. Por exemplo, enquanto Marinho e Pinto quer um partido de fiéis, feito à sua imagem e semelhança – já o acusam de caudilhismo -, Rui Tavares esforça-se por dar voz aos apoiantes, envolvendo-os nos processos de decisão interna, a começar pela eleição, em primárias, dos candidatos a deputados. Uma iniciativa que as maiores forças políticas ganhariam em seguir com atenção, se acaso pretendem que os seus parlamentares deixem de ser vistos como paus-mandados dos líderes de serviço e das estruturas em que eles sustentam a legitimidade e o poder.

Tudo indica, porém, que esse tempo ainda vem longe. Numa altura em que o debate interno sobre as listas de candidatos está em curso, dois casos saltaram já para os jornais, qualquer deles bem revelador de como a obediência cega e acrítica é o melhor seguro de vida de um deputado. Que o digam Mota Amaral e Ribeiro e Castro.

O PSD tenciona dispensar da sua lista de candidatos o ex-presidente da Assembleia da República, figura histórica da democracia portuguesa. O argumento invocado é o da necessidade de renovação e um ingénuo acreditará que pesa mais nessa decisão a idade do homem que pôs os Açores no mapa do que o facto de a sua lucidez de sempre ter feito dele um crítico das políticas da actual maioria. Ora, basta ver quem se pretende para o substituir – Berta Cabral, ex-presidente da Câmara de Ponta Delgada, candidata derrotada nas últimas eleições regionais e logo compensada com uma secretaria de Estado da qual nem a pequena história rezará – para se perceber o verdadeiro motivo da 'renovação' em curso.

Já Ribeiro e Castro, outro histórico, mas do CDS, do qual chegou a ser líder, com vida política própria e uma voz muito crítica do 'portismo' e da maioria, tomou a iniciativa de sair pelo seu pé, talvez por ter percebido que também ele seria objecto de 'renovação'. Despediu-se com estrondo, dizendo que o incomoda “sentir-se um palhaço” no partido, na coligação e no Parlamento. Pensar livremente e pela própria cabeça é um perigo para quem queira ser deputado em Portugal. Parece que, aos actuais donos do PSD e do CDS, a velha praxis unanimista do PCP é o farol que os orienta.

Um grande prémio

Discretamente, fez o seu caminho de ex-Presidente à margem da pequena política, olhando o mundo para lá do nosso umbigo e entregando-se a grandes causas, ou a projectos pontuais como as bolsas para estudantes sírios atingidos pela guerra. Como Enviado Especial para a Luta Contra a Tuberculose e como Alto Representante para a Aliança das Civilizações, granjeou na ONU o prestígio de que, cá dentro, quase não houve notícia nestes anos de actividade internacional. Esta semana, foi um dos dois galardoados com o prémio Nelson Mandela, instituído há apenas um ano e cujo nome, só por si, honra quem o recebe, bem como o país a que pertence. Parabéns a Jorge Sampaio!

Tragicomédia

Era uma voz queixosa, mas serena, a de uma mulher de Atenas que dizia muito tranquilamente: “Nós não queremos riqueza. Queremos apenas que não nos cortem mais as nossas pensões. E viver em paz”. As pensões de reforma tornaram-se uma obsessão cruel da troika a que agora chamam “as instituições”. Por causa delas, as pensões, não haverá acordo, dizem as fontes, enquanto outra mulher, a espaventosa directora Lagarde, se exibe perante as câmaras com a pesporrência dos donos do mundo. Ou pode ser que o acordo surja, quando alguém se der conta, na opulenta UE, de como esta se está a matar de ridículo na tragicomédia em que se tornaram as negociações com a Grécia.

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 26/06/2015