Zé Povinho 2.0

É o meu meio de transporte favorito.

Quando me perguntam que carro comprava se fosse rica, respondo que nenhum, e que passaria a andar de táxi para sempre.

É verdade que os há mais limpos, menos limpos, que fazem mais ou menos barulho, que de verde e preto terem passado à cor creme foi assim um bocado feio, e que são um meio de transporte tendencioso. É verdade que quando entro num táxi, independentemente do ou da motorista, estou a entrar num universo, e que isso, por si só, é um privilégio. Para mim. É verdade que os motoristas de táxi gostam de conversar, mas quando às vezes entro num táxi cujo motorista não conversa, sinto que a viagem se torna estranha.

Os motoristas de táxi em Portugal são imortalizados em ficção e até mesmo no nosso quotidiano como uma espécie de Zés Povinhos 2.0, coisa que nem sequer os irrita assim muito, porque já estão mais do que habituados a esse tratamento e até gostam.

Ultimamente os táxis e os taxistas são a nova espécie nacional a erradicar em prol do progresso e da modernização para turista ver e para os jovens ávidos de ofertas com classe operáveis via smartphone. E esta questão tem dado muito que falar.

Longe de querer eu erradicar a concorrência – tenham-se em consideração a über e as mil empresas de tuk tuks que operam em Lisboa – dou por mim a olhar para os motoristas de táxi e a pensar que, pobres coitados, a vida para eles está péssima.

Com uma fama desgraçada construída por anos e anos de oligarquia no mercado da tranportação pública assim mais p’ró privada, os motoristas de táxi são neste momento os profissionais que menos lucram com o turismo ou com a acção da EMEL dentro da cidade de Lisboa (as pessoas não andam de carro para alguns locais por causa de multas e bloqueamentos). E são os mais indignados. E manifestam-se dentro do habitáculo ao primeiro passageiro que lhes aparece no banco de trás. 

E com a bandeirada a um preço irrisório para as despesas inerentes à profissão, com o preço do quilómetro inalterado face às oscilações dos preços dos combustíveis e com o estado da nação, sim, é verdade que entrar num táxi é entrar num paiol.

Mas será que os taxistas não têm razão em algumas das suas queixas? 

Numa antena aberta da RDS, há poucos dias, um motorista com praça na Praça da Figueira, em Lisboa, dizia que há neste momento cerca de oito mil tuk tuks registados em Lisboa, sem qualquer tipo de legislação quanto ao transporte de passageiros; outro motorista, numa viagem minha, dizia que há tuk tuks que se fazem cobrar 20 euros por cabeça por meia hora de volta e que muitas vezes fazem o serviço de táxi. Há tuk tuks que transportam até seis passageiros. Como dizia o outro, é fazer as contas. Dizia outro motorista de táxi que não tem nada contra a über, só tem contra o facto da über não obedecer às regras apertadas às quais obedecem os táxis e de operar no mesmo mercado. Esse mesmo motorista disse-me que quando começou a haver carros da über e se percebeu que os clientes gostavam de um carro limpo e bem arranjado e de um motorista menos metediço, houve muitos colegas que alteraram a conduta e até começaram a mandar limpar o carro uma vez por semana. 

É uma questão de ajuste e de sensatez, esta das alternativas ao táxi. Como em tudo. 

Nunca andei de über, nunca andei de tuk tuk, e se me perguntassem, a verdade é que preferia andar de táxi. Porque é a verdade. Porque gosto de tudo o que representa o táxi e o taxista, gosto das idiossincrasias, gosto da ideia de pluralidade que o táxi transmite. Gosto de como é tendencioso, o taxista. Gosto que dentro de um transporte público exista um ser humano, irascível ou feliz ou desconfiado ou reivindicativo ou amargo ou solidário ou indignado ou consternado. Gosto disso porque isso também faz parte do que é o património de Lisboa. 

E se se percorrem as metrópoles em busca de uma réstia de humanidade, porque é que quando se entra num táxi e se dá de caras com a humanidade (a humanidade nem sempre é bela), de repente já não se quer nada daquilo? 

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