O problema do cartaz

O PS decidiu recolher um cartaz de campanha que afixara ainda há pouco e que continha esta mensagem simples: “É tempo de confiança”. Em fundo, uma mulher jovem aplicava-se no gesto de mudar uma página, ou de abrir uma cortina, descobrindo o futuro risonho e colorido que o PS promete, deixando para trás o negrume…

O cartaz em causa nada tinha de especialmente original, nem de especialmente errado ou escandaloso, em comparação com outros que por aí estão espalhados, podendo até ser usado pela coligação que está no poder. Afinal, também ela promete um mundo novo para depois de Outubro. Mas o outdoor em causa foi amplamente glosado e gozado nas redes sociais, com alterações que o ridicularizavam, fosse com a introdução de um António José Seguro à gargalhada, de um José Sócrates espreitando por detrás da cortina, e de um António Costa de túnica indiana pregando aos fiéis num descampado. Embora os seus promotores não o assumam, terá sido essa reacção no mundo virtual que motivou a retirada prematura do cartaz, pois é pouco crível que se lance e recolha em tão poucos dias um outdoor cuja produção e exposição implicam um investimento significativo.

Nenhum cartaz de campanha muda o voto de quem quer que seja, mas, se algum efeito teve este recuo do PS foi o de causar mais dano à sua imagem e ao seu discurso político do que as reacções desencadeadas pelo outdoor. Porque revelou fraqueza, nervosismo e insegurança, sugerindo que a direcção do partido interiorizou e deu razão às mensagens subliminares de desconfiança que recebeu em resposta à confiança que proclamava.

Este episódio caricato não mereceria a discussão de que tem sido alvo se não fosse revelador de alguns factos mais importantes do que o cartaz em si. Desde logo, a força das incontroláveis redes sociais, onde a opinião comum, bem como a de grupos organizados pelos próprios partidos para atacarem as campanhas alheias, se aplicam na crítica e na desmontagem das mensagens políticas adversárias, processo logo replicado pelos meios tradicionais, em especial pela televisão.

Por outro lado, o optimismo do PS em relação ao futuro conflitua com a avaliação extremamente negativa que sempre fez das políticas do passado recente e dos resultados que elas produziram. Se o país está pior do que diz a coligação, mal se percebe que o optimismo socialista quanto ao futuro próximo seja maior do que o da própria maioria no poder, seguramente a mais interessada em valorizar o seu desempenho nestes quatro anos.

O problema do cartaz era o problema do PS: como fazer promessas credíveis e ganhar a confiança dos eleitores, sem começar por reconhecer que, embora insuficientes e não raro duvidosos, como são os índices do desemprego, a actual maioria tem resultados positivos para apresentar, em face da calamitosa situação que recebeu do PS. Ainda que o mais importante desses resultados – a capacidade de financiamento nos mercados – tenha mais a ver com factores externos do que com as suas políticas.

Sucede, por fim, que a confiança não se anuncia nem se proclama: conquista-se. E o cartaz não se teria tornado um problema se os esforços de António Costa para conquistar a confiança da maioria dos eleitores, de modo a poder governar com força política bastante para assegurar a estabilidade, não estivessem tão longe da enorme expectativa gerada pela sua candidatura à liderança do PS.

Ad hominem

Pacheco Pereira apareceu em Lisboa e Guimarães de Kalashnikov nas mãos, declarando: "O povo não desarma e diz não aos capitalistas". Estava num grande cartaz de rua que ostentava a legenda "Pacheco a Presidente". Não consta que o visado seja candidato, nem que defenda a luta armada contra o capitalismo.

Quem o exibiu nestes propósitos achincalhantes deve ter razões que justifiquem o investimento nestes cartazes ad hominem.

Convinha saber quem os fez, quem os pagou e quem os colocou, como pede o próprio, para ficarmos a perceber melhor se é já este, no Portugal de hoje, o preço a pagar pela opinião livre.

Todos contra todos

Dois mil mortos contabilizados desde Janeiro (mais 400 do que no mesmo período de 2014); 188 mil homens, mulheres e crianças à deriva pelo continente, ou concentrados em campos, depois de terem sobrevivido à guerra, à fome, à perseguição e à travessia do Mediterrâneo.

A vaga migratória cresce e não serão os muros nem o arame farpado que a vão parar. Soluções à vista não existem. À semelhança do que acontece em Calais, com a França e o Reino Unido em disputa, pouco a pouco todos estarão contra todos.

Comparado com este desafio à unidade de uma UE sem respostas capazes, a crise das dívidas é uma brincadeira de crianças ricas.