As reformas na Justiça

Num texto publicado na imprensa por um conhecido académico (Nuno Garoupa, no Observador de 15 de Junho de 2015) elogiava-se a “transparência”, a “objectividade” e o “interesse” das propostas do Partido Socialista para a área da Justiça. No entanto, lamentava-se, quer no programa do PS, quer nas ideias apresentadas pela coligação PSD/CDS, a falta de…

No programa apresentado pelo PSD/CDS, entretanto publicado, ressalta a proposta de uma “revisão dos códigos” alargada como grande propósito para a área da Justiça, para mais sem objectivos claros. Rever leis em loop permanente, portanto, como sendo equivalente a governar.

No entanto, é possível afirmar a ideia de que um conjunto concertado de medidas direccionadas e objectivas representará uma efectiva melhoria dos nossos tribunais. O problema é também terminológico: estamos tão mal habituados a que pequenas (e por vezes más) coisas sejam apelidadas de grandes e definitivas reformas que acabamos por mitificar a ideia de reforma, aquela que nunca chegará…

Assim, o sentido geral das propostas do PS, reportando-me directamente à área judicial e da Justiça não-penal (e três quartos dos processos estão fora da área penal), é o de que a mudança por fazer é a da melhoria, objectiva e mensurável, do modo como os tribunais gerem quotidianamente aquilo que é a sua base de trabalho – os litígios das pessoas e das empresas. Ou seja, a melhoria dos procedimentos de trabalho e a melhoria da qualificação de todos os envolvidos na produção de uma decisão judicial, mais até do que da legislação processual.

A tramitação processual pode mudar na lei, mas muitas vezes o modo como se trabalha num (e com um) tribunal continua o mesmo. E esse modo de trabalho está demasiado preenchido por tempos mortos, indefinições, ineficiências, que precisam de ser conhecidas, analisadas e – agora sim – reformadas, com o envolvimento dos seus intervenientes directos, que são quem melhor conhece um tribunal, e com um aproveitamento sustentado das novas tecnologias. Ganhar-se-ia mais em ter um bom manual de procedimentos para a gestão do tribunal e para a tramitação dos processos do que em fazer uma ‘grande reforma’ da legislação.

No mesmo sentido, uma outra linha de força do programa do PS vai ao encontro de uma realidade há muito reconhecida, mas pouco atendida. Se a Justiça é um serviço prestado pelo Estado aos seus cidadãos tem que saber relacionar-se com estes de forma próxima e concreta. Não é aceitável que um cidadão fique sem compreender, por exemplo, o conteúdo de uma notificação a si dirigida. Comunicar bem não é apenas uma formalidade. É um indicador claro dos níveis de serviço de uma organização. E, já agora, é também um bom indicador da decência do Estado ao falar com os seus cidadãos.

Estas duas ideias, entre outras, são propostas identitárias de um sentido de intervenção política que tem os cidadãos e as empresas como destinatários directos, sabendo-se que uma Justiça tardia, imprevisível e incompreensível nunca é uma boa Justiça.

E, mais do que apelidar uma dada intervenção como grande reforma ou mais do que anúncios de mudanças difusas nas leis, o que ao PS interessa são os resultados concretos que cidadãos e empresas venham a obter quando recorrem aos nossos tribunais.

*Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Coimbra Business School