Bárbaros são os outros?

A preocupação com a baixa natalidade na Europa contrasta violentamente com o medo da invasão dos refugiados vindos de países devastados pela guerra e/ou fome. Milhares de crianças chegam diariamente à Europa, em condições miseráveis – muitas vezes sozinhas, porque viram os pais morrer pelo caminho, ou porque fugiram depois de verem a família dizimada…

Bárbaros são todos os que olham para os outros como seres desprovidos ou diminuídos de humanidade: os etnocêntricos – sejam eles académicos ocidentais ou elementos de tribos canibais – ou os xenocêntricos, que adotam o ponto de vista de uma outra cultura, e que a partir dessa visão julgam as culturas alheias. Como lembrava o filósofo Antonio Cicero (na conferência ‘Da Atualidade do Conceito de Civilização’, feita para a Fundação Calouste Gulbenkian e publicada no volume A Urgência da Teoria), “comparar já é julgar” e, citando Montaigne, sublinhava que, se chamamos bárbaro ao que come homens mortos (o canibal), temos de usar o mesmo termo para o que tortura e desfaz homens vivos (como o agente da Santa Inquisição). Tantos séculos volvidos, continuamos, através dos ofícios combinados do relativismo cultural da Esquerda e da xenofobia declarada da Direita, a considerar que há umas pessoas melhor equipadas para os direitos e a liberdade do que outras.

As condições de viagem abjetas que os donos do tráfico humano oferecem aos desesperados em fuga são equivalentes às dos comboios da morte do nazismo; mas a caótica reação defensiva dos governos da Europa dita civilizada não lhe fica atrás. A civilização que se ufanou, nos idos de 1989, com a queda do infame Muro de Berlim, afadiga-se agora a construir muros e cercas para impedir o acesso dos espoliados do mundo ao privilegiado Jardim dos Direitos Humanos que, apesar de todas as crises, continua a ser a União Europeia. Não há vontade política para traçar um plano conjunto de absorção e integração dos refugiados: é cada um por si.

Um vice-primeiro-ministro checo chegou ao ponto de aventar que se chamasse a NATO (sempre ela, porque Exército próprio é coisa de que a Europa também não quer ouvir falar) para ajudar a fechar o mais rapidamente possível todo o espaço Schengen.

A situação é tão descontrolada que nem os que querem ajudar conseguem fazê-lo – por exemplo, os portugueses comovidos pelas imagens terríveis dos telejornais, que telefonam para o Ministério dos Negócios Estrangeiros oferecendo-se para alojar alguém. Há já também várias câmaras municipais a oferecerem os seus préstimos – mas a falta de uma ação europeia solidária e organizada atrasa os processos e dificulta tudo.

Para que serve a frota imensa de funcionários europeus? Para que serve, afinal, a Europa? Queremos que ela seja a Casa de Retiro dos velhos ricos do mundo? Os Estados Unidos da América tornaram-se o país mais poderoso do mundo porque souberam ser isso que a erudita Europa nunca soube ser: estados unidos. E porque, apesar dos pesares, e ao contrário do que defende esse ignaro multimilionário que quer mandar na América, souberam acolher os refugiados do mundo – a começar pelos europeus.