‘Não fazemos piadas para crianças’

Adeus à silly season com A Ovelha Choné – O Filme: uma animação artesanal e sem diálogos dos estúdios Aardman, pelos britânicos Richard Starzak e Mark Burton.

‘Não fazemos piadas para crianças’

A Ovelha Choné apareceu pela primeira vez há 20 anos, durante seis minutos, na curta ‘Wallace & Gromit – A Close Shave’, de Nick Park. Como perceberam que poderia vir a ter o seu próprio universo, dar origem a uma série e, agora, a um filme?

R. S. – Através de algum merchandising vimos que era muito popular. Então pensámos nela como personagem principal para uma série. Como não havia diálogos, os episódios tinham qualquer coisa de cinemático e então tivemos vontade de fazer algo com maior fôlego. Havia um agricultor, o cão Bitzer, a Choné e outras ovelhas, uma hierarquia que pudemos desenvolver no filme como uma família com envolvimento emocional.

Porquê um elenco que se pronuncia por monossílabos?

M. B. – Inicialmente porque era mais fácil para a produção, mas, por outro lado, é assim que os animais ouvem os humanos falar. No filme quisemos manter-nos fiéis à série mas também fazer uma espécie de comédia muda moderna.

R. S. – Tínhamos algum medo de que as crianças não aguentassem sentadas num filme de 80 minutos sem diálogos, mas a verdade é que funciona bastante bem.

Têm uma audiência infantil, mas conheço quem depois de uma saída à noite chegue a casa e veja um episódio da ‘Ovelha Choné’.

M.B. – (Risos) Não fazemos conscientemente piadas para adultos e para crianças, fazemos aquilo que nos faz rir. É claro que colocamos algumas referências que as crianças não captam, como ao filme O Silêncio dos Inocentes. A linguagem slapstick é física e quase universal e a verdade é que tanto miúdos de três anos como pessoas de 93 alinham nela. Desde que o público percebesse o que se estava a passar na cabeça das personagens não precisaríamos de palavras. Tem a ver com a forma como se conta a história e as imagens que se usam. Também temos animadores brilhantes que se dedicam às expressões nos bonecos e artistas que vocalizam ruídos e barulhinhos reveladores do que as personagens estão a pensar.

Como é o dia a dia nos estúdios Aardman?

M.B. – Levámos dois anos a escrever o guião e 10 meses na filmagem. De manhã víamos os storyboards, uma descrição das situações com desenhos muito simples, e depois íamos até ao piso da produção onde havia cerca de 20 cenários diferentes, cada qual com um animador. A nossa tarefa era a de nos separarmos e percorrermos todos os animadores e designers e, às vezes, simularmos o que queríamos que os bonecos fizessem para ficarem mais precisos. Depois entrávamos na sala de montagem para ver que fotogramas ficavam e quais não. Só usámos o computador para compor o céu e algumas cenas com água, mas o resto é praticamente filmado com a câmara. Até os prédios da cidade existem fisicamente. É um trabalho muito lento: um animador faz dois segundos de filme por dia.

No filme ‘Os Piratas!’ havia um barco de 350 quilos que tinha levado 5 mil horas a ser feito à mão. O que vos deu mais trabalho?

M.B. – Sim, e eles tinham muita água e é sempre mau ter água em animação! Mas nós tivemos muitas sequências de perseguição.

R. S. – Quando as personagens saem debaixo de terra e dão o primeiro passo na cidade, a câmara chega-se para trás e de repente temos 40 personagens no ecrã, carros e motos a passar… E tudo aquilo foi animado por apenas uma pessoa, durante duas semanas.

O que pode ser um péssimo dia para um animador?

M.B. – Ah! O pior que lhes pode acontecer é os realizadores rejeitarem as filmagens. Às vezes o cenário move-se durante uma filmagem que levou dois dias a fazer e se não puder ser consertado em pós-produção terá de ser feito outra vez. Mas normalmente só pedimos para repetir por razões artísticas.

Pensaram nos vossos filhos quando faziam o filme?

M.B. – Os meus têm 25 e 23 anos e ainda gostam da Ovelha Choné, mas também têm de gostar por causa do pai. Na verdade o meu filho está no filme, ele é médico na vida real e dá voz à personagem de um doutor.

R. S. – Os meus têm 15 e 13 anos, cresceram com a personagem. Coloquei o nome deles em lojas da cidade. Eles gostam de ver essas coisas.