Como sobrevivem os voluntários a tempo inteiro

Depois ver o apelo de João Vasconcelos no Facebook, Maria Miguel Ferreira, de 37 anos, nem hesitou. Telefonou ao amigo e disse-lhe: “João, quero ir contigo para a Croácia ajudar os refugiados que estão a chegar à Europa”. Os dias que se seguiram foram caóticos. A empresária falou com o colega da agência de comunicação,…

Esteve fora do país durante cinco dias, juntamente com outros dois companheiros de viagem, os empresários João Vasconcelos e Miguel Vieira – que partiram no sábado passado acompanhando os três camiões TIR que levaram a ajuda portuguesa à fronteira com a Sérvia onde todos os dias chegam milhares de refugiados. “Nunca tinha feito voluntariado desta forma, mas para mim a situação era tão grave que tinha de ter resposta imediata. O trabalho e tudo o resto passaram para segundo plano”.

50 euros por mês

Se para Maria Miguel este apoio foi uma experiência curta, há portugueses espalhados pelo mundo que se tornaram voluntários a tempo inteiro.

Miguel Jarimba, 31 anos, fez da educação e ensino em Moçambique o seu projeto de vida. Há oito anos que faz voluntariado. Para isso, trabalha ao longo de vários meses em Portugal para depois ir para Moçambique participar em projetos da associação Equipa D’ África.

Licenciou-se em Geografia e foi juntando dinheiro a dar explicações a colegas, a ensinar Religião e Moral em escolas básicas dos arredores de Lisboa e a trabalhar em vários organismos. Quando surgia uma missão, demitia-se. “Despedi-me várias vezes. Em 2009, estive sete meses na Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal e despedi-me para ir para Moçambique”, recorda.

Pressionado pela família, que vive nos Açores, e pelos amigos, decidiu fazer uma pausa no voluntariado. “Diziam-me que nunca ia ter uma carreira profissional e, por isso, em novembro de 2010 aceitei ir trabalhar em Macau”. Mas o emprego durou pouco. Ao fim de três meses, desafiado pela AMI, foi para o Sri Lanka ensinar português aos membros de uma minoria católica, durante seis meses.

Em dezembro passado regressou de um dos seus maiores desafios. Esteve um ano num projeto em Mecanhelas, na província moçambicana de Niassa, com a namorada Bruna, de 27 anos. Ele deu aulas a crianças e jovens e ela, estudante de enfermagem, ensinou as mães a escolher alimentos nutritivos para os filhos. Viveram sem ordenado, com 50 euros por mês de ajudas de custo, que gastavam em café expresso ou numa Coca-cola quando iam à cidade.

Miguel regressou, entretanto, a Portugal mas continua a viver para o voluntariado. “Estou a trabalhar com os Missionários da Consolata numa quinta do Cacém”. Já a namorada Bruna arranjou emprego como enfermeira num lar de idosos.

Desde que chegaram, nunca foram ao cinema e raramente jantaram fora. Não têm carro e vivem em casa dos pais dela. Mas em outubro vai tudo mudar: vão casar e alugar um apartamento pequeno em Algés. “Sentimo-nos felizes a fazer isto”, explica Miguel, lembrando que a sua opção de vida significa não ter luxos. “É por isso que muitos voluntários acabam por desistir”.

Viver feliz numa favela de Nairóbi

Aos 26 anos, Marta Baeta coordena sozinha um projeto que apoia 65 crianças e jovens no Quénia. Vive na maior favela do país, nos arredores de Nairóbi, e tem uma vida bem diferente daquela que tinha em casa, no Barreiro.

Hoje, trabalha todos os dias para dar educação, roupa e uma refeição diária às crianças do projeto de voluntariado Fom Kibera with Love. E consegue concretizar a sua missão graças aos donativos e apoios que arranja em Portugal, mas também com a ajuda de outros voluntários, alguns portugueses.

Não recebe um salário e sobrevive com o dinheiro que junta num part-time de venda de suplementos alimentares. “A coisa boa é que em Kibera vive-se com muito pouco: é tudo barato”, relata Marta ao SOL.

Em vez de comprar em lojas, veste roupa em segunda mão, vendida nos mercados locais por menos de um euro. “Por incrível que pareça, consegue-se comprar roupa gira”, diz. “Nunca fui habituada a grandes luxos e sempre trabalhei para ter dinheiro”, explica.

Só quando vem a Portugal é que Marta consegue manter hábitos antigos: não prescinde de ir ao cabeleireiro, de comer no McDonalds e de fazer uma noitada com os amigos. A família também já aceitou a sua opção de vida. Quando em janeiro do ano passado partiu para o Quénia, foi difícil convencer o pai a aceitar a decisão: “Queria que eu tivesse uma vida e um trabalho normais, que estivesse perto dele”.

Entretanto, na quinta-feira chegaram a Portugal os 10 voluntários que foram à Croácia levar roupa, alimentos e brinquedos doados por portugueses de todos os pontos do pais.

O mentor da ideia, o empresário João Vasconcelos, conta com orgulho que “a sociedade civil portuguesa foi, entre os vários países europeus, a primeira a entregar as doações à Cruz Vermelha croata”.

joana.f.costa@sol.pt