Não sabe – não responde

A eventual desatualização desta crónica que estão a ler hoje é capaz de vos fazer pensar naquela coisa que é a morte anunciada da imprensa escrita, e prende-se com o facto de serem quase três da tarde, de faltar menos de uma hora para o fecho da edição, e de ainda não haver deliberação por…

Após o resultado eleitoral altamente fragmentado do passado dia 4 de outubro, estamos naquilo a que muito ‘portuguesmente’ se chama ‘águas de bacalhau’.

Se por um lado tínhamos no horizonte uma resolução qualquer, por outro, depois dos resultados oficiais e não-oficiais, o horizonte ficou do mais turvo que há, e só se vaticinam desgraças e misérias e cenários de horror.

Ninguém é capaz de nos dar esperança, de nos apaziguar os ânimos. Porque, se por um lado, iremos ficar piores que os gregos, sem Syriza no topo do bolo, por outro somos uns mansos por votar novamente na cambada que nos levou ao sapateiro fazer mais furos no cinto.

Se por um lado se teme que as esquerdas radicais cheguem ao poder, por outro está tudo super na boa com a rapaziada que nos deixou de tanga; baixam-se as orelhas e olhem, seja o que Deus quiser, que o Estado é laico, mas só quando dá jeito.

O impasse está a dar cabo dos que ainda se preocupam, a instabilidade não nos está a deixar tomar decisões sólidas, mas nos mercados internacionais a nossa dívida está a vender melhor que as falsificações de malas Louis Vuitton na Feira de Carcavelos.

O que acontece se Cavaco indigitar Costa e o seu coletivo de conveniência? Ninguém sabe. O que acontece se Cavaco indigitar Passos e a malta que já é nossa conhecida? Toda a gente parece saber.

E se na sociologia se tenta encontrar em sociedade os reflexos da identidade coletiva, porque é que não se atalha de uma vez por todas e se afirma sem medos que Portugal está dividido entre os que aceitam e os que contestam?

Um possível Governo à esquerda tentará repor os valores da esquerda. Um possível Governo à direita irá manter a miséria atual.

É muito difícil fazer futurologia ou alvitrar possíveis cenários. São todos maus.

A única coisa que sabemos é que nada sabemos, pelo menos por agora, sobre o que irá suceder, e isso já nos assustou mais enquanto povo.

Neste momento somos radicalmente mansos e parecemos estar por tudo, até mesmo por mais uns tempinhos de impasse.

Nunca a célebre frase «prognósticos só no final do jogo» fez tanto sentido como nas últimas duas semanas.

Se esta crónica lhe pareceu vazia, caro leitor, não se preocupe, era mesmo essa a intenção. É assim que nos sentimos desde dia 4.

Crónica originalmente publicada na edição impressa da Tabu de 23 de Outubro