O negócio da democratização dos restaurantes de luxo

As Restaurant Week surgiram em Nova Iorque, em 1992, no âmbito de uma parceria com a Fashion Week. A ideia, bem americana, que os portugueses querem adotar de forma particularmente entusiástica, é a de aumentar o volume de vendas na designada slow season (ou época baixa) no setor dos restaurantes.

Na primeira edição da Restaurant Week participaram 90 restaurantes. Hoje em dia, o evento já conta com a adesão de mais de 10 mil, realizando-se em grandes cidades como Lisboa, Madrid, Milão, Boston, Londres, Amesterdão e São Paulo.

Em Portugal, iniciada ontem, a 22 de outubro, prolonga-se até 1 de novembro, com mais de 30 edições realizadas, cerca de metade em Lisboa, e as restantes em cidades como o Porto, Cascais ou a algarvia Loulé. Passaram a fazer-se até duas edições anuais de âmbito nacional (em simultâneo), de que esta Restaurant Week é exemplo, como o foi a de 26 de fevereiro a 8 de março últimos.

Nesta, a organização acena com os conceituados restaurantes Largo, a Cantina da Estrela, Varanda ou XL (todos na capital) e o DOP, o Poivron Rouge, o Astória ou o DeCastro Gaia (no Porto). E atira com este número relativamente impressionante: já serviu mais de 210.000 refeições, e já atribuiu consequentemente mais de 210.000 euros para ações de solidariedade.

Reza assim a promoção oficial: «a Restaurant Week tem por objetivo a democratização do acesso à restauração de luxo, contribuindo em simultâneo para causas sociais». Isto porque os restaurantes aderentes apresentam um menu específico a um preço convidativo (20 euros, dos quais um euro reverte a favor de instituições de responsabilidade social).

Claro que o meu espírito cristão me leva a recordar logo estas sábias palavras bíblicas, citadas de Jesus Cristo e dos Evangelhos, quando nos referimos a políticas sociais ou ações de ajuda: «que a tua mão direita não veja o que a esquerda faz». E tanto é assim, que não vou referir aqui nomes de eventuais associações beneficiárias ou de patrocinadores. Penso que eu próprio preferia o anonimato.

De resto devo confessar uma coisa, como gourmet, tendo estado com amigos em restaurantes aderentes ao programa e durante a sua vigência, o conceito saiu completamente furado.

A ideia é que os restaurantes aderentes (ver lista completa em www.restaurantweek.pt) tenham um menu exclusivo inspirado na dieta mediterrânica (com entrada, prato principal e sobremesa). Mas se somos realmente gourmet não resistimos a olhar para a lista, imaginar as qualidades do cozinheiro, e pedir outras coisas fora do dito menu, que servem radiantes e rapidamente. No final, a conta descamba para bastante mais do que estava previsto, o que até é natural porque os restaurantes não são chamados a entrarem numa iniciativa de caridade, mas a aproveitarem a chamada de novos clientes em época baixa.

Portanto, a única hipótese é ir lá com outro espírito, talvez um nadinha mais mesquinho: o do controlo absoluto do dinheiro a gastar, usufruindo o facto de se ir a um restaurante fora dos habituais projetos de orçamento pessoal. Nesse caso, fica-se pelo dito menu da dieta mediterrânica elaborado para o efeito, e não se contabiliza sequer o euro destinado a alguma associação social (que poderia ser doado com outro proveito e eficácia de forma mais direta).

As marcações podem ser feitas nos restaurantes diretamente, mas também através do site www.restaurantweek.pt, ou na app TheFork, para iPhone ou Android. Claro que o melhor talvez seja consultar a lista (que irá já nos 100 aderentes) no site oficial do evento.