Lembra-se da história do 3×5? A Sociedade Portuguesa de Matemática responde

Após as mais diversas reações geradas em torno de um exercício de Matemática corrigido por uma professora dos Estados Unidos, o SOL pediu à Sociedade Portuguesa de Matemática que apreciasse a decisão. 

A opinião da Sociedade ‘arrasa’ o trabalho da professora que deu nota negativa a uma criança que para explicar o raciocínio para chegar ao resultado de 5×3 escreveu 5+5+5 e não 3+3+3+3+3, bem como outro exercício semelhante.

Para Jorge Buescu, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática e professor universitário da disciplina na Faculdade de Ciências de Lisboa, os critérios que revelou ao corrigir a prova mostram "pura incompetência”. 

Nomeadamente porque "o facto de a criança ter descoberto (ou intuído) sozinha uma propriedade fundamental da multiplicação [ser comutativa, ver abaixo] não pode ser punido", acrescentando que o rapaz de 8 anos "até devia ser premiado".

Buescu afirma que "erros pedagógicos" como estes são "a melhor maneira de fazer as crianças começarem a detestar a Matemática, criando nelas a imagem de esta ser uma disciplina com regras incompreensíveis e arbitrárias".

Aqui fica a opinião deste perito, na íntegra.

“O professor provavelmente ensinou que “5×3” representa “5 grupos de 3 objectos”, tal como se lê; e portanto quando a criança escreve 3 vezes o algarismo 5 e os soma, considera que a resposta está errada.

Embora se leia “cinco vezes três”, e seja razoável ou intuitivo escrever tal como se lê, a verdade é que é indiferente calcular 5×3 ou 3×5 por uma razão matemática profunda: a multiplicação é uma operação comutativa. Podemos escrever os factores na ordem que quisermos: o resultado é o mesmo. Este facto não é trivial: por exemplo, a subtracção ou a divisão não são comutativas. Mas é verdadeiro para a multiplicação (e para a soma). De resto, a construção geométrica que a criança faz na pergunta seguinte (um rectângulo com 6 linhas e 4 colunas para calcular 4×6) mostra que sabe o que está a fazer. Para ela é indiferente, no cálculo do número de risquinhas, agrupá-las em 6 linhas e 4 colunas ou 4 linhas e 6 colunas – e tem razão. Este exemplo mostra, de uma forma mais chocante, o absurdo da situação: nada, ao enunciar “4×6” torna mais razoável pensar que temos 4 colunas de 6 linhas cada ou 6 colunas de 4 linhas. Se penalizar a criança no problema anterior é muito discutível, penalizá-la neste problema é pura incompetência.

O facto de a criança ter descoberto (ou intuído) sozinha uma propriedade fundamental da multiplicação não pode ser punido (na minha opinião, até devia ser premiado, mas isso é outra conversa). Fazê-lo é não só um tremendo erro pedagógico como é nocivo para toda a turma: depois de ter penalizado uma criança de 8 anos por “calcular 5×3 e não 3×5”, afirmando-lhe que são coisas diferentes, como se vai explicar-lhe na semana seguinte que afinal são iguais – porque a multiplicação é comutativa?

Este tipo de erros pedagógicos é a melhor maneira de fazer as crianças começarem a detestar a Matemática, criando nelas a imagem de esta ser uma disciplina com regras incompreensíveis e arbitrárias. A verdade é totalmente oposta: parte da beleza da Matemática é justamente ser uma disciplina inteiramente lógica e independente das arbitrariedades das convenções humanas. Infelizmente quando esta criança der por isso já poderá ser tarde demais.”