As novas orientações da FIFA na luta contra os fundos de investimento

No passado dia 1 de Abril de 2015, entrou em vigor a nova regulamentação da atividade dos intermediários/agentes FIFA, que agora obriga as federações nacionais de futebol a tornar públicos todos os dados relativos a todos os intervenientes que participam nas transferências de futebolistas.

Com base neste novo regulamento, é possível controlar, entre outras situações, as remunerações, pagamentos a intermediários, declarações e contratos de representação. E constatar eventuais conflitos de interesses, bem como apurar da eventual intervenção de fundos de investimento nas transferências internacionais, que é agora, definitivamente, não permitida legalmente.

O referido regulamento resulta também da aplicação do denominado TMS (Transfer Match System), um sistema online em vigor desde finais de 2010 que torna as transferências internacionais de jogadores de futebol mais ágeis, mais fáceis e, acima de tudo, mais transparentes – a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) também já aderiu.

Entretanto, conforme esperado, continua a cruzada da FIFA contra os famosos fundos de investimento ou TPO (Third Party Ownership), cuja utilização é estritamente proibida pelo referido órgão internacional desde o passado dia 1 de maio.

Como foi determinado recentemente pelo órgão máximo do futebol mundial, apenas é permitida a co-propriedade de terceiros sobre os direitos económicos de um determinado jogador nos contratos de trabalho atualmente em vigor, e apenas no prazo de duração do mesmo.

No momento em que o referido contrato de trabalho desportivo terminar, ambas as partes (clube e jogador) deverão então adaptar-se às novas regras regulamentares.

Sem prejuízo do supra referido, a FIFA esclareceu ainda que, em todos os contratos de trabalho desportivo em vigor ou assinados com a intervenção de fundos de investimento entre os dias 1 de Janeiro e 30 de Abril deste ano, as partes terão o período de um ano para se adaptarem a esta nova imposição regulamentar.

Ora, há cerca de duas semanas, a FIFA enviou uma carta a todos os clubes inscritos no referido sistema TMS (mais de 6.000 distribuídos por 209 federações nacionais) a exigir um depoimento subscrito pelo jogador e respetivo clube que comprove que os seus direitos económicos não pertencem a nenhuma outra entidade.

E no caso dos direitos económicos de um jogador de futebol pertencerem também a algum fundo de investimento ou TPO, dever-se-á então incluir no sistema uma cópia do contrato para explicar em que termos estes direitos se encontram estipulados.

Assim, duas questões fundamentais se colocam quanto à aplicação concreta da referida proibição de intervenção de terceiros e desta nova exigência regulamentar.

Em primeiro lugar, como é que se sabe que um determinado fundo de investimento não possui parte dos direitos económicos de determinado jogador, no momento em que se realiza a sua transferência? E, em segundo lugar, como é que se obriga, de acordo com o sistema atual, os clubes e o jogador envolvido na aludida transferência a dizerem a verdade sobre a eventual intervenção de um fundo de investimento no momento da sua realização?

Esta atitudes dolosas, eventualmente praticadas pelos clubes, passam a ser alvo de punições da FIFA, conforme prevê a sua Circular nº 1478, adotada em Zurique em 6 de março do presente ano, no âmbito da qual ficou estipulado que a 'não prestação obrigatória de informações precisas no âmbito do Sistema TMS ou da aplicação incorreta do Certificado Internacional de Transferência" poderá implicar a aplicação de uma multa até 14.000 francos suíços ou a eventual abertura de um processo disciplinar, suscetível de posterior aplicação de uma sanção disciplinar mais gravosa, designadamente, a impossibilidade de inscrição de jogadores no período de uma ou mais janelas de transferências.

Mas a verdade é que, mesmo assim, antes desta alteração, inexistia no aludido sistema de transferências de futebol (TMS) qualquer garantia de um total respeito pelas normas regulamentares instituídas. A partir de agora, todos os clubes integrados no sistema TMS são obrigados a apresentar uma declaração sobre a participação ou não de terceiros na co-propriedade dos direitos económicos de um determinado jogador, no momento em que a sua transferência é solicitada, o que torna o sistema mais difícil de contornar e sujeita a sanções todos os seus intervenientes.

Face ao exposto, coincidindo a aplicação atual destas normas com a proximidade da abertura do mercado de inverno de transferência, programado para o início de janeiro do próximo ano, duas novas condições exigem-se, para além das já existentes no novo sistema TMS.

Em primeiro lugar, a declaração da titularidade ou não dos direitos económicos de um jogador por terceiros ou denominados fundos de investimento.

E, em segundo lugar, e mais importante, a evidência documental, consubstanciada numa declaração assinada pelo jogador e clube de procedência, de que não existe a co-propriedade dos direitos econômicos de jogadores por parte de terceiros, pois caso assim não suceda o clube que pretende transferir o jogador deverá obrigatoriamente anexar uma cópia desse contrato, sob pena de sofrer sanções disciplinares.

E isto não é tudo, uma vez que a FIFA também está a trabalhar para introduzir, num futuro próximo, a obrigação dos clubes declararem a cláusula de comissão de venda futura do jogador, no caso de esta estar incluída no contrato de transferência negociado e submetido no sistema TMS.

Nesta verdadeira cruzada da FIFA de controlo e proibição absoluta dos fundos de investimento no futebol mundial, que parece não ter retorno, resta saber se a opção mais correta é a sua proibição definitiva ou se se deveria ter optado pela sua regulamentação adequada.

Como se sabe, atualmente, estes denominados fundos de investimento representam uma parcela importante no funcionamento do mercado de transferências dos jogadores profissionais de futebol, enquanto mecanismo alternativo de financiamento ao esgotado e incapaz sistema bancário nacional, que já não consegue corresponder às inúmeras solicitações, bem como ao evidente e intolerável endividamento crescente dos clubes.

Assim, resta saber como é que os clubes portugueses conseguirão arranjar alternativas de financiamento para ombrear desportivamente com clubes que detêm orçamentos e apoios imensuravelmente superiores.

 

*Docente de Direito do Desporto na Universidade Lusíada de Lisboa e advogado na MGRA Law Firm