Por uma agenda de crescimento

Por mais servilmente que executemos as recomendações e soframos os castigos, o nosso destino ‘está traçado’ enquanto não houver uma dinâmica de crescimento.

uma imagem vale mais do que mil palavras. e, embora neste caso as palavras estivessem lá, as imagens do agradecimento de vítor gaspar a shaubler, que dominaram a imprensa nacional e internacional, tiveram a enorme vantagem de ilustrar a realidade (e a crueza) da união europeia de hoje. com o mesmo desamor e distanciamento, e constatando que ‘a economia não está a responder aos estímulos’, até mesmo grandes ‘amigos’ de portugal encolhem os ombros perante o ‘destino inevitável’ do país.

não vale a pena voltar a argumentar aqui sobre o quanto as sucessivas receitas que vão sendo impostas aos países com problemas são irrealistas no calendário, no preço do apoio financeiro e nos resultados, sempre candidamente esperados e nunca atingidos, da austeridade – trata-se de um problema que releva da afirmação ideológica e que só mudará quando as lideranças políticas mudarem. já me parece mais interessante sublinhar as limitações óbvias da estratégia do ‘bom aluno’, do aluno que cumpre mais do que o professor exigiu, à espera da justa recompensa; uma recompensa que não chega porque, na hora da verdade, quem avalia tende a olhar para o resultado e raramente, ou nunca, põe em causa a qualidade das recomendações que fez – um detalhe que faz uma enorme diferença.

portugal está hoje sentado em cima de um muro. um muro que assenta, perigosamente, num terreno movediço. de um lado do muro está o precipício grego e, do outro, alguma esperança protagonizada pela irlanda. existem muitas diferenças entre estes nossos dois parceiros mas quereria sublinhar uma especificidade da postura irlandesa: quando reuni com responsáveis irlandeses percebi como, na negociação do seu programa de ajustamento, tinham fincado os pés e recusado qualquer cedência nas suas taxas de irc (oscilando entre 10% e 12.5%, conforme o tipo de investimento), numa desobediência tenaz e quase obsessiva contra as recomendações da troika; chegou a constar que tal teimosia determinou a cobrança de juros mais elevados nessa fase do empréstimo mas, fosse qual fosse o ‘castigo’, a irlanda manteve-se firme na argumentação de que, sem essa ‘vantagem competitiva’, perdia a sua atratividade para o investimento estrangeiro, violava as expectativas dos seus investidores e deixava de ter condições para garantir um crescimento da economia compatível com uma trajetória de recuperação…

ora, e olhando para portugal, apetece perguntar: qual é a agenda de crescimento que estamos a praticar para contrariar o clima recessivo? porque, por mais servilmente que executemos as recomendações e soframos os castigos, o nosso destino ‘está traçado’ enquanto não houver uma dinâmica de crescimento.

não haverá agenda mais necessária, nesta fase, do que tratar urgentemente (diria quase obsessivamente) de manter empresas viáveis à superfície e atrair investimento, nacional e estrangeiro, verdadeiramente produtivo (e não mero comprador de empresas públicas) – e se estiver a cometer a injustiça de ignorar quaisquer programas em curso, deixo a recomendação de que se lhes confira a imprescindível visibilidade…

se os nossos jovens são hoje qualificados, importa captar os investimentos que os aproveitem. se as penosas reformas laborais que foram introduzidas eram necessárias, convém divulgá-las junto de potenciais investidores. se há fundos estruturais disponíveis, importa transformá-los (com as novas e acrescidas taxas de comparticipação) em estímulos irrecusáveis ao investimento produtivo. se há um apoio excepcional aos bancos concedido pelo bce, urge que ele seja (pelo menos em parte) obrigatoriamente transformado em crédito às empresas (sobretudo às pme operando em portugal). se a máquina da aicep não foi totalmente destruída, importa que ela seja aproveitada para abrir mercados e para encontrar investidores. e ainda valerá a pena, um dia, perguntar aos partidos no governo se são a favor ou contra a concorrência fiscal entre os países membros da união europeia…

desvalorizar a construção, com carácter de emergência, de uma agenda competente de crescimento para portugal não é um erro – é um suicídio!