O inferno do Cais do Sodré [vídeo

O barulho é insuportável, as ruas acumulam copos de plástico, garrafas de cerveja e folhetos de bares. E uma multidão que se acotovela, vai deixando um rasto de grafitis e vandalismo. Os novos bares ‘da moda’ tornaram as noites do Cais do Sodré, em Lisboa, num inferno para os moradores.

«e o pior é que se prolongam nos after hours, às vezes até ao meio-dia», conta sérgio teixeira dos santos que há seis meses não tem descanso. «vivo no bairro há sete anos, mas as coisas começaram a ficar piores desde que fecharam ao trânsito a rua nova do carvalho».

nessa altura, chegaram ao cais do sodré bares como a pensão amor, a velha senhora e o povo, apresentados como uma forma de requalificar um bairro conhecido por ser poiso de marinheiros e prostitutas e com uma vida nocturna que se reduzia a três ou quatro discotecas famosas há décadas. «nessa altura, havia menos gente e acima de tudo, o que se passava era dentro de portas. o problema é que agora é tudo na rua», explica carlos ornelas, director do lx boutique hotel – um estabelecimento de luxo onde os turistas se queixam do ruído e do lixo que encontram na rua.

«agora, sou gestor hoteleiro e de reclamações», lamenta carlos ornelas, que já perdeu a conta aos comentários pouco simpáticos que o cais do sodré acumula em sites como o booking. «dizem que o hotel é fantástico, que o serviço é muito bom, mas falam logo do barulho e do lixo».

cenas de sexo  e violência

a insegurança é outro problema. «ainda há dias, saí com os meus filhos e estavam pessoas a drogar-se na rua», conta sérgio teixeira dos santos. a poucos metros, estavam dois polícias à porta de um supermercado, mas não fizeram nada. «estão lá porque são pagos para fazer a segurança da loja e mais nada», comenta.

carlos ornelas, como membro da associação de comerciantes do cais do sodré, contribui como pode para a segurança da zona. «aos fins-de-semana, temos três polícias pagos pela associação», diz, acrescentando: «estão cá basicamente como dissuasores e para chamar o carro patrulha se houver alguma cena de violência».

mas nem sempre estão presentes. «no outro dia, abri a janela e vi um grupo a andar à pancada com seguranças de um bar. ainda pensei em chamar a polícia, mas desisti», confessa carlos ornelas.

ana pestana, que em 1998 comprou um apartamento no cais do sodré, acredita que a solução para o problema está na criação de uma associação de moradores. «tenho passado horas a tratar deste assunto», conta, explicando o trabalho de mobilização dos vizinhos. «as pessoas têm de perceber que vale a pena reclamar junto da câmara para termos um bairro melhor».

foi o que ana, carlos e sérgio fizeram, quando na sexta-feira passada foram à câmara de lisboa ter uma reunião com o vereador josé sá fernandes. mas não vieram satisfeitos com o que ouviram. «disse-nos que ia fazer cumprir os horários que estão em vigor», relata ana pestana, que acha a solução insuficiente. «as licenças permitem aos bares estar abertos até às quatro da manhã e voltar a abrir às seis. ora, isso não resolve nada. e ainda deixa as pessoas na rua a beber e a fazer barulho durante duas horas».

carlos ornelas sublinha que nenhum dos moradores que há meses se começaram a organizar para exigir respostas está contra os bares. «somos a favor da diversão, mas com moderação».

sérgio teixeira dos santos dá um exemplo do estado a que chegou o cais do sodré. «numa destas noites, fui à pensão amor e havia filas de 20 minutos para duas casas de banho, porque a terceira estava avariada». sérgio acabou por pedir o livro de reclamações, quando viu que «já havia pessoas a urinar nas escadas da pensão».

a falta de casas de banho para uma zona que aos fins-de-semana é frequentada por milhares de pessoas é, aliás, uma das grandes críticas dos moradores. «de manhã, o cheiro a urina é insuportável, porque as pessoas usam a rua para fazer as necessidades».

ana pestana diz que há até quem use a via pública para satisfazer outro tipo de desejos. «há moradores que já se depararam com cenas de sexo, quando abrem as janelas», garante. «é assim que a câmara quer atrair famílias jovens para esta zona da cidade?», questiona sérgio teixeira dos santos.

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cml não dá respostas

contactado pelo sol, o gabinete do vereador josé sá fernandes deixou sem resposta a questões enviadas.

segundo os moradores que com ele reuniram na semana passada, sá fernandes prometeu mais limpeza para a zona. «mas não há limpeza que resolva o problema», comenta carlos ornelas, que vê todos os dias o trabalho dos varredores da câmara ficar desfeito «em minutos, quando acabam os after hours e as ruas se enchem de copos e garrafas».

os moradores asseguram que ouviram da boca do autarca o anúncio de que o novo projecto de concessão do mercado da ribeira à revista time out inclui uma discoteca. «e isso só vai agravar o problema», afirma ana pestana, que vê na falta de sintonia dos horários de fecho dos estabelecimentos de diversão nocturna a origem dos problemas do cais do sodré.

«os bares do bairro alto fecham entre as duas e as três da manhã. e é isso que agrava as coisas, porque essas pessoas vêm todas para o cais do sodré, onde podem continuar a noite até de manhã», explica ana pestana. o ideal, defende a moradora, seria que todos os bares tivessem a mesma hora de encerramento. «só assim seria possível resolver o problema do excesso de pessoas no cais do sodré, porque quem vem do bairro alto deixaria de vir».

carros vandalizados

no percurso entre o bairro alto e o cais do sodré, fica muitas vezes um rasto de vandalismo. «aumentaram muito os grafitis», conta ana. «estão constantemente a vandalizar automóveis. em cinco meses, partiram os vidros do meu carro quatro vezes», acrescenta sérgio teixeira dos santos.

«a câmara ouve-nos, percebe-nos, mas não resolve», lamenta carlos ornelas, que paga impostos e investiu na zona, mas não vê respostas na autarquia. é por isso que sérgio começa a achar que o diálogo que têm mantido com a câmara não será suficiente para melhorar a situação. «entre os moradores há pessoas com formação jurídica, que estão a estudar a hipótese de recorrer aos tribunais e até a instâncias europeias».

para já, os moradores vão queixar-se ao provedor de justiça, que já se pronunciou sobre as lojas de conveniência no bairro alto, recomendado horários de fecho mais apertados. «aqui começamos a ter o mesmo problema, com lojas que vendem ‘litrosas’ de cerveja para serem bebidas na rua», conta sérgio teixeira dos santos.

margarida.davim@sol.pt