Diálogos atlânticos

Marraquexe, Marrocos, outubro de 2015. A partir de um país atlântico, Marrocos, e entre países atlânticos, debateram-se algumas das questões do momento internacional: segurança e contraterrorismo; energia, variedade das suas fontes, volatilidade dos seus preços; globalização e identidade; Europa, África e Américas atlânticas. Subjacente, a pergunta: haverá uma (nova) comunidade atlântica?

Por enquanto, parece que não. Entre os povos da África ocidental, da Europa marítima, das Américas do Norte e do Sul e das Caraíbas há afinidades histórico-geográficas vindas de navegações e migrações, há problemas e desafios comuns, como a segurança energética e alimentar ou o controle das novas ameaças – pirataria, narcotráfico, terrorismo -, mas não há uma comunidade. Pelo menos no sentido de uma comunidade de defesa, como tem sido a NATO, e ainda menos de uma comunidade política, como a União Europeia.

Nestes diálogos houve uma questão que dominou: os refugiados e as políticas a seguir em relação aos refugiados. O problema é real porque põe em jogo dois valores euro-atlânticos e até universais: a tradição de solidariedade, fraternidade e hospitalidade em relação ao refugiado, ao proscrito, ao exilado, e a preservação da identidade. A tradição de acolhimento tem raízes nos mitos indo-europeus mais antigos. Eneias, o fundador de Roma e do maior Império do mundo que a Europa fez e viu, é um foragido de Tróia, de onde veio com os seus manes; Ulisses, embora vitorioso em Tróia, é um viajante que vai errando pelo Mediterrâneo no regresso a casa. São inúmeras as narrativas e lendas de heróis medievais em busca de ouro, tesouros ou princesas cativas. A partir do romantismo, o foragido político enche toda a ficção, e entre os milhões de europeus que no século XIX chegaram às Américas há muitos exilados e perseguidos.

A outra dimensão do problema – a contrária – é também transversal: o receio da perda de identidade, a ameaça do outro. As nações europeias temem a submersão da própria identidade, que sentem ameaçada por vagas de estrangeiros de culturas diferentes ou até hostis. A questão aqui põe-se aos emigrantes que vêm de uma cultura distinta, como os muçulmanos que chegam à Europa, fugindo das guerras da Síria, da Líbia ou do terror do Estado Islâmico.

A grande guerra contra as nações e as identidades nacionais europeias não começou com os refugiados nem com os migrantes muçulmanos – veio de um discurso pan-europeísta exacerbado que atribuiu ao nacionalismo a paternidade de todos os males e falou no desaparecimento das pátrias como solução final dos problemas da guerra e da paz. Mas ainda que a questão não tenha começado com os emigrantes muçulmanos, são eles que agora despertam, sobretudo nos países do Leste europeu, uma crispação identitária que só se pode entender se se pensar que estas nações foram por muito tempo cativas de impérios vários. O último foi o soviético.

Encontrar um equilíbrio entre estes dois valores – a solidariedade cristã e humana para os refugiados e a identidade das pátrias da Europa – é tarefa difícil, mas é a que temos pela frente.