A defesa de José Sócrates e as suas contradições

Quando foi detido, José Sócrates já sabia os factos e os crimes pelos quais estava a ser investigado. Horas antes, na manhã daquele dia 21 de novembro de 2014, o advogado João Araújo fora ao seu encontro em Paris para analisarem o despacho em que o Ministério Público (MP) sintetizava as imputações e que fora…

A defesa de José Sócrates e as suas contradições

Nesse despacho, explicava-se que Sócrates é suspeito de ter acumulado 23 milhões de euros na Suíça mas em nome de Carlos Santos Silva, dinheiro suspeito de ser contrapartida pela sua intervenção em negócios a favor de empresas como o grupo Lena. E para provar que o dinheiro é do ex-primeiro-ministro aponta-se uma série de despesas e negócios, pessoais e de familiares e amigos.

Nos dois dias seguintes, sábado e domingo, enquanto o país ainda digeria a notícia de um ex-primeiro-ministro preso por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, Sócrates respondeu às perguntas do juiz Carlos Alexandre e do procurador da República Rosário Teixeira, numa sala do Campus de Justiça de Lisboa. A atitude que assumiu foi de negação completa, classificando tudo como falso – até hoje. Isto apesar de desde logo os magistrados lhe terem apontado evidentes contradições.

Sempre viveu com dificuldades

Quando foi detido, o ex-primeiro-ministro tinha encargos mensais fixos de cerca de 15 mil euros e recebia oficialmente duas avenças de 12.500 euros, além de milhares de euros de numerário que Carlos Santos Silva lhe fazia chegar regularmente. Mesmo assim, a sua conta no banco andou, ao longo de 2014, na linha vermelha.

O ex-primeiro-ministro explicou que sempre viveu com dificuldades, que viveu sempre da generosidade da mãe (Maria Adelaide Monteiro seria herdeira de uma grande fortuna) e depois com empréstimos do amigo Carlos Santos Silva. Chegou a agradecer à investigação o levantamento exaustivo do estado deplorável da sua conta bancária e notou aqui uma contradição da acusação: como é que alguém com 23 milhões de euros andava sempre aflito de dinheiro?

O MP contrapõe que é tudo disfarce e que Sócrates falava em tom imperativo ao telefone, quando combinava entregas de numerário, como verdadeiro proprietário do dinheiro em nome de Santos Silva.

Por outro lado, o ex-governante não soube até hoje apontar o valor total desses alegados empréstimos do amigo ao longo dos últimos anos e jura que sempre pretendeu pagar-lhe, se fosse preciso até pediria dinheiro ao banco. Entretanto, no verão passado, vendeu o apartamento no Heron Castilho, em Lisboa, e entregou 250 mil euros ao amigo, tendo o seu advogado admitido que será uma parte do que acha que lhe deve.

Amigos há 30 anos mas não sabe origem da fortuna

A ligação especial com Carlos Santos Silva começou, segundo Sócrates, nos bancos da escola, conhecem-se há mais de 30 anos. E o amigo tem uma grande fortuna, salienta, embora não saiba explicar a sua origem nem identificar ao certo as suas empresas. Chegou mesmo a invocar que Santos Silva é uma pessoa reservada e nunca lhe foi contar o dinheiro.

Os que o rodeiam têm o mesmo amigo

A ligação a Santos Silva tem sido repetida por Sócrates como justificação para uma série de outros factos em que o MP lhe imputa responsabilidade. É que, segundo diz, além de seu amigo, o empresário é também amigo da sua família e conhecidos. Santos Silva, por exemplo, comprou à sua ex-mulher uma casa em Lisboa, por 400 mil euros (preço muito superior ao praticado na zona), e foi fiador do empréstimo que contraiu para comprar um monte no Alentejo porque também é amiga dele. Sofia Fava trabalhava, aliás, para uma das suas empresas, recebendo quase cinco mil euros mensais (por coincidência, nota o MP, o valor da prestação bancária).

A mãe, Maria Adelaide Monteiro, vendeu a Carlos Santos Silva dois andares no Cacém e o apartamento vizinho ao do filho no Edifício Heron Castilho, em Lisboa, mas o negócio foi conduzido pelo irmão (entretanto falecido) de Sócrates, que era também amigo do empresário, segundo explicou o ex-PM. O dinheiro dessas transações teve origem nas contas de Santos Silva com a fortuna da Suíça, o que faz o MP sustentar que se tratou de vendas fictícias. Por outro lado, a mãe transferiu depois o produto dessas vendas, em tranches, para contas de Sócrates – o que este veio explicar invocando que Maria Adelaide quis fazer partilhas ainda em vida pois tem um diferendo com uma ex-nora.

Queria casa de férias apesar das dificuldades

Uma das contradições flagrantes que o MP aponta a Sócrates é o facto de, apesar das dificuldades financeiras que invoca, quase ter comprado uma propriedade em Tavira (300 mil euros seriam a sua parte e 600 mil a de Santos Silva), onde diz que projetava passar férias de verão e temporadas no inverno. E ainda andava à procura de uma casa em Lisboa, com a namorada Fernanda Câncio, tendo ambos equacionado uma no Largo do Caldas, que custava dois milhões de euros. Sócrates diz que pretendia vender a casa no Heron Castilho e pedir dinheiro ao banco.

Carlos não quis cobrar rendas da casa de Paris

A amizade sem limites – que foi corroborada pela defesa de Carlos Santos Silva – levou a que este tenha convidado Sócrates a viver no apartamento que comprou em 2012, na Avenida Président Wilson. O ex-governante disse que até insistiu em pagar renda durante o ano em que lá esteve, mas o amigo não quis. Só deveria pagar rendas depois das obras no imóvel, que o amigo fazia questão – e não se percebe porquê, como nota o MP – que fossem do seu agrado.

Cheques passavam pela conta do motorista

A investigação da Autoridade Tributária apurou que, entre 2012 e 2014, cerca de 80 mil euros com origem em Santos Silva foram depositados na conta do motorista João Perna, que depois os depositava na de Sócrates. O MP diz não perceber o argumento do ex-PM que explicou que era para facilitar o pagamento das suas despesas quando estava em Paris, de que incumbira João Perna. Além disso, argumenta Rosário Teixeira, se se tratava de dinheiro emprestado sem qualquer problema pelo amigo, por que não pagava este diretamente essas despesas?

carlos.santos@sol.pt