As evidencias do caso Lopetegui

A 15 de Janeiro do presente ano a Futebol Clube do Porto – Futebol SAD enviou para a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) o seguinte comunicado: “Na sequência da comunicação ao mercado efetuada no dia 8 de Janeiro, a Futebol Clube do Porto- Futebol, SAD vem esclarecer que, não tendo sido possível chegar a um…

Desconheço os termos do contrato de trabalho desportivo celebrado entre a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD e o treinador de futebol, Julen Lopetegui, desconheço também a razão pela qual não foi possível às partes procederem a uma revogação do contrato por mútuo acordo, bem como, os fundamentos que originaram a aludida "rescisão unilateral".

Porém, ainda que não se conheça na totalidade das razões desportivas pelas quais se procedeu à revogação unilateral do mencionado contrato com o treinador espanhol, conheço e evidencio a precariedade legislativa nacional sobre o complexo exercício da profissão de treinador de desporto.

Em Portugal, sem que se compreenda bem porquê, ainda não existe um diploma específico que regule o vínculo laboral desportivo de um treinador de desporto, sendo certo que, os praticantes desportivos profissionais, têm um regime jurídico próprio desde 1998, ainda que este esteja bacoco, desatualizado, e totalmente alheado da realidade desportiva atual, pois não protege o praticante em matérias essenciais, (Lei nº 28/98, de 26 de Junho).

Aliás, a desadequação deste regime jurídico ao panorama desportivo nacional, é de tal modo grave, que o Acordão do Tribunal Constitucional nº 199/2009, de 28 de Abril, considerou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, sem que até ao momento, nada se tenha alterado.

É sabido que, desde 2008, estabeleceu-se o regime jurídico de acesso e exercício da atividade de Treinador (Decreto-Lei n.º 248-A/2008, de 31 de Dezembro entretanto revogado pela Lei n.º 40/2012, de 28 de Agosto) sem que, até à presente data, se tenha tido a coragem política de, estabelecer um regime jurídico adequado para regular os múltiplos e complexos aspetos, resultantes da celebração de um vínculo laboral com um treinador de desporto, independentemente, da respetiva modalidade que constituirá o seu objecto principal. 

O Futebol português, através dos seus representantes institucionais, prevendo e corrigindo esta lacuna legal, celebrou em 4 de Maio de 2012, um Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), que regula as normas por que se regerão as relações jurídicas laborais emergentes dos contratos de trabalho celebrados entre os treinadores profissionais de futebol e os clubes ou sociedades desportivas filiados na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Segundo consta neste diploma, estima-se que o CCT, abranja 2154 entidades empregadoras e 14 000 trabalhadores, pelo que, quanto à modalidade do Futebol, a supra referida lacuna legal, parece ter solução normativa aplicável.

Assim, na resolução do Caso Lopetegui, aplicar-se-á as normas do CCT e subsidiariamente as normas do Código do Trabalho que, não se mostrem incompatíveis com a reconhecida natureza específica do contrato de trabalho dos treinadores profissionais de futebol. 

Contudo, e como desde há muito defendi, a verdade é que, as normas do Código do Trabalho, na sua grande maioria, não são compatíveis com as particularidades da profissão de treinador de desporto, o que poderá colocar dificuldades, quanto á aplicação de diversas soluções legais ao caso concreto, designadamente, quanto à nevrálgica questão da cessação unilateral do contrato pela entidade empregadora desportiva e ao montante da indemnização exigível, ex vi o confronto do disposto no art. 41º do mencionado CCT com os arts. 389º nº1 e 390º nº1 e 2 do Código Trabalho que, apontam para valores indemnizatórios completamente distintos. 
Como se não bastasse, a outra questão que se impõe analisar é, como é que se resolvem as questões laborais das outras dezenas de modalidades, relativas a milhares de entidades empregadoras desportivas e de dezenas de milhares de treinadores de desporto em Portugal? Serão as restantes modalidades em Portugal, “filhas de um Deus menor”? Não merecerão os restantes treinadores de Desporto adequada proteção legal? 

Neste contexto, os litígios emergentes noutras modalidades, serão resolvidos apenas com recurso ao contrato (se e quando existe) e à lei – regime especial que – como já foi referido não existe, e que obriga a uma analogia com um regime e necessariamente distinto e aplicável a uma relação laboral cuja execução se orienta por moldes e pressupostos diferentes.
Os nossos tribunais superiores têm vindo a optar, sistematicamente, por integrar a mencionada lacuna legal, quanto aos treinadores, por via da aplicação analógica do regime jurídico do praticante desportivo profissional (Lei nº 28/98, de 26 de Junho).  As razões justificativas da referida aplicação analógica, resultam – por força da equiparação das especificidades funcionais de ambos os profissionais – que não colidem com o direito, liberdade e garantia de segurança e estabilidade no emprego e de proibição de despedimentos sem justa causa, previstos nos artigos 13.º, 18.º e 53.º, da Constituição da República Portuguesa.
Ainda no recente Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25/06/2015, é evidenciado que: “a Lei n.º 28/98, de 26 de junho, não constitui um regime jurídico excecional, mas antes um regime especial de contrato de trabalho subordinado, nada impedindo, pois, a sua aplicação analógica a contratos de trabalho a termo certo, celebrados entre um clube de futebol e um treinador, válidos e perfeitamente autónomos entre si”.

Ora a verdade é que, salvo melhor opinião, a autonomia no exercício de funções entre um treinador e um praticante desportivo, não são a mesma coisa. Os deveres e os direitos de um treinador profissional e de um praticante desportivo profissional não são iguais, já para não falar, da necessária e indispensável qualificação técnica e profissional que um treinador deve ser titular, para poder celebrar determinados vínculos laborais desportivos nos termos do disposto na Lei n.º 40/2012, de 28 de Agosto.

Registe-se ainda o "Relatório da Comissão para a Revisão da Lei 28/98, de 26 de Junho" datado de Setembro de 2015 (cujo trabalho final apresentado, não me revejo e maioritariamente discordo), assinala que: "Quanto aos treinadores entendeu-se que o preenchimento da lacuna hoje existente na nossa lei carece de um regime jurídico próprio, autónomo do aplicável ao praticante desportivo, que atenda à grande diversidade e complexidade das relações estabelecidas entre os treinadores e as respectivas entidades empregadoras. Será tarefa, decerto para uma outra Comissão, especificamente criada para esse efeito". 
 
Deste modo, julgo que o atual Governo e a Assembleia da República, deverão ter em conta que o CCT dos Treinadores de Futebol, não substitui nem impede a criação de um regime jurídico próprio adequado para regular todas as vicissitudes resultantes da relação laboral mantida entre uma SAD/Clube ou um treinador desporto. Sendo certo que, por regra, qualquer convenção colectiva de trabalho (CCT ou outra), tem como função, o desenvolvimento um quadro legal pré-estabelecido e preencher os pontos, que sejam menos favoráveis aos trabalhadores das partes signatárias, mas nunca, a de substituir ou preencher um lacuna legal que, incompreensivelmente, ainda persiste.

O poder político tem a palavra …

Lisboa, 25 de Janeiro de 2016
Lúcio Miguel Correia
Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa e Advogado na MGRA Soc. Advogados