Timothy Ray Brown. O único que pode conjugar o VIH no passado.

Viveu 12 anos com o vírus dentro do seu corpo, mas há nove que se pode dizer curado. O paciente de Berlim não esconde que se sente especial por ser o único a ter vencido a sida. Mas também se sente “culpado”.

O ar é de fragilidade, o andar é inseguro, mas as palavras saem-lhe com a força de quem tem uma história única para contar. Timothy Ray Brown é conhecido como “o paciente de Berlim”, expressão que pouco dirá à maioria. Mas se trocarmos esta descrição por “a única pessoa curada do vírus da sida”, talvez aí a atenção esteja totalmente captada.

De uma multidão de mais de 34 milhões de pessoas que já morreram com um dos vírus mais temidos da história, Timothy foi o único que se curou. À pergunta “sente-se especial?”, responde com um tímido “sim”, completado com “mas muitas vezes sinto-me culpado”. Depois de anos de rosto escondido, Timothy decidiu dar-se a conhecer, a si e à sua história, até porque a luta para não ser caso único passou a ocupar toda a sua vida. Numa das muitas viagens que faz para dar a conhecer o seu caso aos mais curiosos, fez uma paragem em Lisboa, onde participou nas Jornadas de Actualização em Doenças Infecciosas do Hospital de Curry Cabral, e falou com o BI sobre o que é isto de falar da sida no passado.

Em termos científicos, há explicação para o que aconteceu a Timothy. Em 2007, descobriu que tinha leucemia e recebeu um transplante de medula óssea de um dador que tinha uma mutação num gene responsável pelo fabrico de uma molécula na superfície dos linfócitos-T, células imunitárias que o vírus da sida infecta. A mutação nos receptores dos linfócitos é rara, aparecendo em cerca de 1% dos europeus. Neste caso, o dador foi escolhido tendo em conta esta particularidade e o resultado foi um sucesso. Timothy deixou de ter o vírus no sangue e há nove anos que se pode considerar curado do VIH.

“Dizem-me que represento a esperança”, refere, voltando ao ar tímido que o caracteriza, “mas não quero ser caso único no mundo”. Foi essa motivação que o levou a criar a Fundação Timothy Ray Brown e a organização “Cure for AIDS Coalition”. E é também por essa razão que não se cansa de repetir a sua história a todos os que têm perguntas para fazer. “Sei que desperto a curiosidade de muita gente”, admite, lembrando o quão dificil foi explicar às pessoas que estava curado. “Quando fiquei infectado, toda a gente morria, não se ouvia sequer falar em casos de sucesso”, daí que acreditar numa cura tenha sido quase tão difícil como aceitar a doença. “Até os médicos tiveram dificuldade em acreditar”, garante, “foram precisos dezenas de testes para me dizerem olhos nos olhos ‘estás curado”.

Apesar de agora se falar em sucesso, a verdade é que a intervenção foi de alto risco, deixando Timothy perto da morte mais que uma vez. Aqui está a explicação para que este procedimento não seja visto como uma solução a ser replicada em todos os casos de infecção.

Apesar de levar uma vida normal, as sequelas são visíveis e afectam-lhe principalmente o equilíbrio. Se dantes fazia esqui e andava de patins, agora até o caminhar é feito de forma lenta. Para contrariar esta falha, Timothy faz exercício todos os dias da semana, pratica ioga e impôs a si próprio uma dieta vegetariana. “Tenho esperança de um dia voltar a ser aquilo que era antes disto tudo acontecer”. Até lá, continua a olhar para si como membro da comunidade seropositiva. “Não podia ser de outra maneira”, garante, até porque com 50 anos, viveu 12 com o vírus no corpo e há nove que passou a lutar contra o vírus que insiste em ocupar o corpo dos outros.

O paciente de Berlim

Não é alemão, não nasceu em Berlim, mas não escapou à designação mundial de “Berlin Patient”. Isto porque, aliado ao facto de ter escolhido a cidade alemã para viver, durante os primeiros anos preferiu esconder a identidade por trás de um nome que não o identificasse. “Agora não, prefiro ser conhecido por Timothy Ray Brown e daí ter dado o meu nome às instituições que dirijo”, esclarece.

Admite ter “uma vida fácil”, até porque não considera o que faz um emprego. Apesar das motivações serem diferentes, acaba por dedicar os seus dias às viagens, coisa que fazia com frequência na juventude e que o levou à cidade que acabou por lhe dar também uma identidade. “Com vinte e poucos anos, parti numa viagem pela Europa”, conta, lembrando que chegou a ir a Sintra atrás de um hot guy (sim, há coisas que não se traduzem). Andou uns anos a saltar entre Barcelona e Berlim, mas foi na Alemanha que decidiu ficar tempo suficiente para que fosse aí diagnosticado com VIH.

A conversa vai longa, mas Timothy tem uma série de jornalistas com quem falar e um fôlego que o leva a duvidar se será suficiente para discurso que tem guardado no bolso do casaco. A falta de força nas palavras vingam-se no pulso e é com um apertar de mão vigoroso que se dão as despedidas. “Obrigada”, diz num português sem sotaque e provavelmente aprendido algures em Sintra.

marta.cerqueira@ionline.pt