Silas ‘Já vi o Benfica levar 7-1e depois ser campeão’

Em dia de um dérbi Sporting-Benfica o SOL falou com Silas, um entendido nisto de treinadores. Foi treinado por José Mourinho e Jorge Jesus, achamos que não precisam de muitas apresentações. «Os dois estão no top-3 de sempre do futebol português», diz quem sabe.

Não é fácil chegar a Silas. Não nos atende o telefone, mas apanhamos a música de fundo dos U2 (With Or Without You) e o Google não ajuda. talvez porque o verdadeiro nome não seja esse. Se procurarmos por Jorge Manuel Rebelo Fernandes talvez ajude. Silas ficou dos tempos em que jogava nos infantis do Sporting e nos jogos na rua quando foi a altura de escolher o jogador preferido. Não se esqueceu daquele brasileiro, cabelo comprido, número 10 e craque da equipa principal. O nome pegou e ficou para sempre, apesar de os amigos o tratarem por Jorginho, até porque Silas foi uma alcunha que gerou sempre confusão acerca da sua nacionalidade, julgando-o brasileiro. Aos 39 anos e no ocaso da carreira, falou-nos do dérbi deste sábado (20h45 SP-TV 1) em Alvalade. Vai estar na bancada a ver e diz que o jogo é mais decisivo para o Benfica do que para o Sporting. 

Porquê?
A melhor equipa até agora tem sido o Sporting. Ainda faltam alguns jogos até final e se o Benfica perder pode ver as suas aspirações em xeque. Pode ser apanhado pelo Porto e deixa fugir o Sporting, sem esquecer que no confronto direto perde para os dois rivais diretos.

Aqui ressalvou o fato de estarmos a falar antes do dérbi, já que o Benfica se marcar três ou mais golos ficará em vantagem sobre o Sporting, mas é um cenário que parece ninguém parece colocar, apesar de na nossa memória estar sempre o 3-6 de 1994 (sim esse do João Pinto, com três golos em Alvalade e a lançar o Benfica para o título). Balakov, o camisola 10 do Sporting desse jogo disse agora que é difícil haver um jogador que possa ser tão decisivo. 

Será?, perguntámos a Silas, ele que jogou sempre com o 10, sentido-se um 8 e agora a jogar com o 11.
Nunca fui um 10 em campo, sempre fui um jogador de equipa e de jogar mais para os outros. Sou mais um 8 do que um 10. E hoje em dia esse 10 puro, como era Maradona, só vejo o Messi. Todos os outros estão a desparecer, privilegia-se mais o lado competitivo do que o artístico e isso é mau até para o espetáculo. Os jogadores passaram a ser mais autómatos, são obrigados a perder a criatividade.

Entendido. E se o Sporting perder, fica numa posição difícil?

Ainda faltam muitos jogos, mas faltam também jogos difíceis, como a deslocação ao Dragão. Também sabemos que o Sporting perde muitos pontos com as equipas mais pequenas e tem estado forte contra os grandes. Ao contrário do Benfica. Portanto, não vejo que o dérbi seja decisivo. Já vi o Benfica levar 7-1 e depois ser campeão. O lado bom disto é que estamos com um campeonato como nuca se tinha visto, a luta por cima está boa e faz bem à Liga. A luta por baixo é que podia ser melhor mas não é bom descerem só duas equipas em 18.
O Mourinho disse numa sua crónica do Record que iria «comer» o Sporting-Benfica com o filho, no silêncio da sala. Silas disse que ia ao estádio, tem convite para a bancada, por isso os dois (Mourinho e Silas) não se vão encontrar. Mas já se encontraram no Leiria, na época 2002-02. 

Já se notava que ia «mandar» no resto do futebol como treinador?

Vimos logo que tinha potencial, a mim nunca me enganou. Tivemos um bom relacionamento, era obcecado pela metodologia de treino, era um bom professor e era ótimo nas relações com os jogadores e a defender o grupo, muito solidário Já na altura lidava bem com a pressão mediática, apesar de ser em contextos completamente diferentes, longe dos holofotes de um Chelsea, Inter ou Real Madrid. Consegue extrair o melhor dos jogadores porque recebe tudo deles e recompensa-os por isso.

É aqui que chegamos a Jorge Jesus, o seu treinador no Belenenses entre 2006 e 2008. É mesmo assim tão bom como dizem ou é ele que se tem em boa conta?

É um dos melhores treinadores com quem trabalhei. Sabe muito de futebol e vive para o futebol. É muito exigente, possui um conhecimento de futebol muito profundo e tem a particularidade de potenciar jogadores. Há vários casos de jogadores que depois de passarem pelas suas mãos se valorizaram, e isto já acontecia quando estava em clubes mais pequenos. A nível de treino está muito à frente do tempo.

E porque demorou tanto tampo a aparecer num palco maior?

Acho que tem a ver com a imagem que pode passar para fora, pode tê-lo ter prejudicado. Não teve oportunidade mais cedo, demorou tempo mas quando chegou e mostrou que continua à frente da época. Quando soube que ia ser treinado por ele falei com um amigo que tinha sido seu jogador e disse-me que ele era como o Mourinho. Pensei que estava maluco mas aos primeiros treinos percebi o que queria dizer. Ñão concordo quando oiço dizer que o Jorge Jesus perdeu muita coisa, lutou sempre por muita coisa, o que é muito diferente. Ganhou três campeonatos em seis e isso é muito bom, além de ter andado sempre a lutar pelos títulos. A margem entre ganhar e perder é mínima, por um pequeno detalhe perde-se, por um pequeno detalhe ganha-se.[Ele e Mourinho] têm personalidades diferentes e percursos académicos distintos e está a ter a oportunidade merecida há mais tempo

Entre um e outro recusa-se a dizer quem é melhor, mas e em comparação com os outros treinadores?

Mourinho e Jesus estão no top.3 em Portugal. Top-3 de sempre, na preparação dos jogos, na leitura de jogo e nas intervenções no treino.

E onde é que entram os árbitros aqui?

São desculpas de mau perdedor.

Rápido e letal. Sem papas na língua foi assim que terminámos a entrevista. Aos 39 anos, não muito longe dos 40 (faz no dia 1 de setembro), não olha muito para o futuro. Gosta do passado que teve, arrepende-se de ter ido para Inglaterra (preferiu o investimento financeiro no Wolverhampton em vez de tentar a sorte desportiva num clube grande em Portugal). Deu-lhe conforto na carteira mas impediu-o de dar um pulo na carreira. «Sei agora que na altura ainda não estava preparado para jogar na liga inglesa, mais ainda numa equipa que lutava para não descer. Se fosse uns anos mais tarde ou depois de ter apanhado Jorge Jesus como treinador, tinha sido opção nos jogos todos».