Taxas de inscrição – Indemnizações por tranferência – ou enriquecimento sem causa

Há algum tempo atrás, ligou-me uma Mãe muito aflita por causa da sua filha de 15 anos que andava triste e pensava em abandonar definitivamente a prática desportiva. Na verdade, esta Mãe pediu-me ajuda para esclarecer uma pretensa situação regulamentar que atormentava o novo Clube, a menor e respetiva família, pois não tinha condições financeiras…

No fundo, aquilo que a menor pretendia, era somente acompanhar as antigas colegas e amigas que, no início da época desportiva, e após a cessação da inscrição desportiva pelo clube anterior, pretendia mudar para outro clube, cujas instalações desportivas se situavam mais perto da sua escola e residência.

Em virtude da época estar prestes a começar, o novo Clube solicitou informações à Federação de Andebol, para proceder à inscrição da atleta, tendo então, surgido a imposição das disposições regulamentares previstas no seu Comunicado Oficial nº1 – Época 2015/2016 disponível no site da Federação.

No caso em apreço, em virtude da aplicação das normas previstas no mencionado Comunicado Oficial, o novo Clube foi agraciado com uma “fatura” de algumas centenas de euros para pagar, para ser permitido a prática do Andebol, a uma jovem de 15 anos.

De acordo com o 3.2 do referido Comunicado Oficial ainda em vigor, os Clubes que pretendem inscrever atletas na nova (atual) época desportiva, têm de pagar uma determinada taxa de inscrição à Federação, atendendo ao número de anos de prática da modalidade do atleta em questão.

Estes valores identificados numa tabela elaborada para o efeito, multiplicam-se pelo número de épocas de inscrição, por cada escalão, a contar dos Iniciados.

De acordo com as referidas normas regulamentares, os valores das mencionadas taxas de inscrição, são agravados em 50% nas transferências dos atletas internacionais, e em 100% se o atleta em questão, estiver abrangido pelo regime do Alto Rendimento (Decreto-Lei nº 272/2009, de 1 de Outubro).

Acrescenta ainda o referido Comunicado (3.2.4) que, os valores relativos às taxas de inscrição com transferência constituem receita federativa, sendo que a Direção da Federação deliberou para a época 2015-2016 atribuir, a título de subsídio, 80% do valor das taxas mencionadas aos Clubes a que os atletas estavam anteriormente vinculados e 10% às respetivas Associações Regionais.

Será legal o pagamento de uma taxa de inscrição com transferência a uma jovem atleta que se pretende inscrever por outro clube no início de uma época desportiva após cessação do vínculo de inscrição desportiva pelo Clube anterior?

Em primeiro lugar, não há que confundir entre inscrição desportiva e transferência desportiva.

A inscrição desportiva é o acto jurídico desportivo, pelo qual, uma federação desportiva habilita alguém (atleta treinador, dirigente, etc, etc) a poder participar nas competições desportivas que organiza ou promove. Neste acto, o agente desportivo (atleta/treinador ou outro) não tem qualquer compromisso ou vinculo jurídico desportivo em vigor, (inscrição, contrato de trabalho desportivo ou contrato de formação desportivo) e vincula-se com a aceitação da inscrição pela respetiva federação.

A transferência desportiva, é o acto jurídico desportivo pelo qual, uma determinada pessoa (atleta, treinador ou outro) com vínculo desportivo em vigor com um determinado Clube, pretende representar outra entidade desportiva distinta da atual, impondo assim, simultaneamente, a cessação do vínculo desportivo em vigor e a celebração de um novo vínculo desportivo (inscrição, contrato de trabalho ou de formação desportiva) com um novo Clube.

No caso em análise, a mencionada atleta, por caducidade da sua inscrição desportiva já não tinha qualquer vínculo com o anterior Clube, pelo que, não faz sentido aplicar qualquer taxa de inscrição com transferência ao novo Clube, pois a atleta encontrava-se livre de poder celebrar qualquer vínculo desportivo (inscrição ou contrato de formação desportiva) com qualquer entidade desportiva.

Em segundo lugar, verifica-se que o valor do ato de inscrição da atleta depende do número de épocas desportivas de prática da modalidade num determinado Clube, encapotando-se sob designação de taxa de inscrição com transferência, uma autêntica indemnização por transferência, que tem um regime legal estabelecido e que apenas pode ser exigido em condições muito específicas.

De acordo com o disposto no art. 18º nº1 da Lei nº 28/98, de 26 de Junho (doravante RJCTD): Pode ser estabelecida por convenção coletiva a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do anterior, um contrato de trabalho desportivo. Complementando o art. 38º do mesmo diploma que: A celebração, pelo praticante desportivo, do primeiro contrato de trabalho como profissional com entidade empregadora distinta da entidade formadora confere a esta o direito de receber uma compensação por formação, de acordo com o disposto no artigo 18.°

Face ao exposto, a lei admite as denominadas 'indemnizações de transferência', mas apenas se criadas através da contratação coletiva e nos exatos termos dessa convenção coletiva, o que não se verifica no Andebol.

Após a publicação do RJCTD, ficou claro que, no âmbito da relação laboral desportiva, a liberdade de trabalho do praticante apenas poderá ser cerceada pelo mecanismo das 'indemnizações de transferência', caso tal seja previsto na pertinente convenção coletiva, e jamais em sede de regulamentação elaborada pela respetiva federação desportiva.

Vale isto por dizer que, no âmbito do RJCTD, as federações dotadas de utilidade pública desportiva só detêm poder regulamentar em matéria de transferência de praticantes desportivos no que não contrarie o disposto no artigo 18.º, máxime o estabelecido por convenção coletiva de trabalho.

Assim, um sistema de 'indemnizações de transferência' ainda que designado por “inscrição por transferência” não poderá ser instituído através de regulamento federativo, tal como dispõe o Parecer da Procuradoria Geral da República nº 7/2001 (Publicado no DR, IIªSerie, n.º 139, de 18.06.2001).

Isto significa, portanto, atendendo ao nosso ordenamento juslaboral e desportivo, que tais 'indemnizações de transferência' apenas poderão ser criadas se existir uma associação sindical representativa dos praticantes desportivos em questão. Com efeito, a lei que regula a contratação coletiva no nosso país consagra o que alguns designam por monopólio sindical da contratação coletiva, ou seja, apenas as associações sindicais devidamente registadas poderão celebrar convenções coletivas de trabalho em representação dos trabalhadores. Quer isto dizer que, não havendo associação sindical, não pode haver convenção coletiva e, sem esta, não pode haver 'indemnizações de transferência'. Ora, no nosso país, de momento, apenas existe uma associação sindical de praticantes desportivos – o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol.

O Andebol atual, sobretudo nos escalões de formação, é suportado pela carteira dos Pais que com dificuldade contribuem para que os Clubes – mais ou menos endividados – possam participar nas competições desportivas organizadas pela Federação de Andebol de Portugal e não mereciam tamanho desrespeito e ilegalidade.

Não está em causa que a cobrança de taxas de inscrição constituam receita federativa. O que aqui está em causa, é que receita federativa provenha da cobrança regulamentar de indevidas indemnizações por transferência a jovens atletas (quando nem sequer existe transferência) que constituem o verdadeiro impulsionador da modalidade, e quando as mesmas, apenas são devidas nos termos legais anteriormente explanados.

Esta situação ilícita origina um clarividente enriquecimento sem causa (art. 473º do Código Civil) à Federação, Clubes e Associações Regionais que beneficiam desta ilegal norma regulamentar, sem qualquer legitimidade legal ou outra para o efeito (ex vi o disposto no 3.2.4 do C.O. nº1-2015-2016 que prevê atribuir, a título de subsídio, 80% do valor das taxas mencionadas aos Clubes a que os atletas estavam anteriormente vinculados e 10% às respetivas Associações Regionais).

Como se verifica, a atual norma regulamentar, para além de violar a lei, potencia que entidades que não participam sequer na formação dos atletas, possam ser ressarcidos ou compensados por indevidas indemnizações por transferência. Quantas situações destas ocorreram durante o ano e quantos atletas já deixaram de jogar em virtude da aplicação destas normas? E já agora, quantos milhares de Euros beneficiaram os aludidos intervenientes ao longo de toda a época desportiva?

Por fim, e o mais importante, é que a jovem atleta em causa deixou a modalidade, por não ter condições económicas para pagar o montante exigido…E no final, quem perdeu, foi o Andebol…

Lisboa, 13 de Abril de 2016

* Advogado na MGRA Soc. Advogados (lmc@mgra.pt) e Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa