‘A PGR deveria ver o que houve de tráfico de influências e prevaricação nestes anos’

Na entrevista ao SOL, o reitor da Lusófona faz revelações graves. Acusa o Ministério no tempo de Nuno Crato de ter uma ação «predatória» e desafia a PGR a investigar os interesses que estavam por trás.

Na entrevista ao SOL, o reitor da Lusófona faz revelações graves. Acusa o Ministério no tempo de Nuno Crato de ter uma ação «predatória» e desafia a PGR a investigar os interesses que estavam por trás.

Nos últimos tempos, a Lusófona foi também notícia pela morte de vários jovens no Meco. Como acompanhou o que se escreveu e as críticas feitas?

Em 2008, o BE lançou uma questão na Assembleia da República (AR) sobre as praxes. Das respostas que tiveram das universidades, houve uma única que se pronunciou liminarmente pela proibição das praxes e fui eu que a preparei. E é esta: as praxes são sempre ofensivas à integridade física e psicológica dos estudantes. Tais procedimentos em nada contribuem para integração dos novos alunos. E mais: pedi à AR que criasse um enquadramento que nos ajudasse a rejeitar liminarmente a realização de praxes. Isto nunca foi referido nas notícias.

É, então, contra as praxes.

Claro que sou, contra qualquer tipo de praxes. São práticas sadomasoquistas, que têm a ver com a humilhação. E o argumento, que eu acho revoltante e que a própria Secretaria de Estado invocou na altura, de que são tradições é uma fraude. Nunca houve praxes em Lisboa, nem em Braga, nem em Évora, nem no Porto. E mesmo que fosse uma tradição, não é por isso que deveria manter-se. Todos estamos de acordo que é tradição no país a violência doméstica e hoje em dia finalmente começa a haver uma consciência diferente. Enquanto a humilhação não for crime público, os campus vão continuar cheios de praxes.

O senhor dá então como certo que aquele fim de semana trágico foi um fim de semana de praxes.

Se as pessoas que estavam lá eram os responsáveis pelas praxes, o que é que eu hei de de dizer?

Tomou algum tipo de medidas desde essa altura?

Há um cuidado extremo dentro da universidade para que os alunos percebam que a reitoria não gosta do que eles andam a fazer.

E acha que essa mensagem é clara para os alunos da Lusófona?

É. Eles reúnem-se aqui na universidade e depois saem e acontece em muitas outras o mesmo. Há uma consciência cada vez mais clara em diversas instituições de que as praxes não trazem nada de positivo. Os alunos já não se sentem bem a fazer isso dentro das instituições.

Houve críticas das famílias. Como pai, como lidou com estas mortes?

Foram sem dúvida momentos muito difíceis os encontros com os pais. Pessoas absolutamente destroçadas. De toda a minha vida, foram os momentos mais difíceis. Eles não compreendiam o que se estava passar, como eu também não. Uma tragédia que envolvia todas aquelas famílias. Foram momentos terríveis, independentemente do que se seguiu e da forma como a imprensa tratou tudo.

Diz que o Ministério tratou a Lusófona de forma diferente no caso Relvas e  que os jornais trataram injustamente a universidade no caso do Meco. Esse discurso não é uma defesa para o que tem acontecido?

Não é uma perseguição. Tudo isto tem um início: o verão de 2012. Antes disso, a universidade com o número de alunos e de doutorados estava ótima e era uma referência. O estranho é que tudo isto começa nessa altura. E não podemos esquecer que a Lusófona é declaradamente a universidade privada com mais alunos. É maior que todas as outras juntas, quer em número de alunos, quer em número de professores doutorados. É a única que se aproxima dos valores da Universidade da Beira Interior, da Aberta, da de Évora e está claramente acima da do Algarve. A Lusófona é muito apetecível porque tem 48 primeiros ciclos, 49 mestrados, oito doutoramentos (dos quais seis têm a avaliação mais alta) e nove faculdades. Tem também presença em Angola, Guiné, Cabo Verde, Moçambique e Brasil. Este é o universo da Lusófona e é isto que faz a diferença em relação às outras. É também isto que pode explicar tudo o que nos foi feito pelo MEC e pela Secretaria de Estado. Falta saber as razões que os levaram a atuar desta forma.

O que me está a dizer é grave. Acha que pode ter havido uma tentativa de alguém chegar à Lusófona?

Claro. Há propostas de aquisição, há novos atores no sistema educativo, tudo isto está em mudança.

Mas algum plano de aquisição poderia contar com a conivência do ex-ministro da Educação e dos jornais?

É um assunto que os jornalistas devem investigar, pelo menos enquanto a Procuradoria-Geral da República não perceber, ou melhor, não considerar que é da maior relevância debruçar-se sobre os últimos quatro anos da Lusófona e do ensino superior em Portugal e procurar ver o que há e não há de tráfico de influências, prevaricação, e tudo isso. Provavelmente, a PGR terá grandes surpresas.

Como é que a Lusófona se tem adaptado à evolução do ensino superior privado, sobretudo à redução de alunos?

Mantemos a mesma posição no conjunto de universidades privadas, apesar destas dificuldades que nos foram criadas nos casos Relvas e Meco, e por essa ação predatória. Conseguimos manter tudo e sem publicidade na imprensa.

Enquanto for reitor, não serão cometidos erros do passado?

Há muito mais cuidado com os procedimentos administrativos. Em termos pedagógicos e científicos,  continuamos a funcionar como funcionávamos. Nós somos uma  universidade relevante. Do ponto de vista administrativo, enquanto eu cá estiver, todos os dias haverá mais cuidados. Ainda agora criei um chefe de gabinete que verifica tudo o que se passa na universidade a esse nível. Se não aprendêssemos com a experiência é porque éramos burros, mas se fossemos burros também não teríamos uma universidade com o peso desta.

Quando chegou em 2007, vindo da Universidade de Lisboa, que diferenças encontrou?

O que existe aqui de mais importante é que há liberdade para criar novos projetos, abrir novas portas – isso sempre foi uma característica da Lusófona. Mais ainda: a Lusófona sempre teve um alto sentido de responsabilidade social. Chegámos a ter no Campus do Campo Grande 1.200 bolseiros dos PALOP.

Dado o número de alunos da Lusofonia, as crises em países como Angola ou Brasil podem ter consequência?

Vamos distinguir Angola da crise do Brasil, porque terão efeitos e impactos diferentes. Há claramente mais alunos angolanos, que vêm em primeira escolha. Os problemas de Angola terão por isso um impacto maior e quem sabe se não teremos de reabrir bolsas. Mas o que realmente afeta a Lusófona são os problemas entre Portugal e esses países no que se refere à circulação de pessoas, ao reconhecimentos de diplomas e aos vistos.