Portugal, o Eurofestival e o resto…

Realizou-se há duas semanas, no Azerbeijão, a edição de 2012 do Festival Eurovisão da Canção. Desde que me conheço que procuro não perder este certame anual – mesmo reconhecendo que o impacto é, hoje, diferente do do passado (e sujeitando-me a brincadeiras e troça – que desvalorizo por completo – por parte de alguns…).

desde 1999, por certo para tentar tornar o concurso mais apelativo e o adaptar à era de globalização em que vivemos, os países podem escolher o idioma da canção com que concorrem. sem surpresa, uma esmagadora maioria passou a apresentar-se com temas cantados em inglês, a língua internacional por excelência, que facilita a percepção global e, creio, é muito melódica.

por exemplo, na edição deste ano, dos 26 temas seleccionados nas meias-finais para chegar à final, 20 foram cantados total ou parcialmente em inglês. dos maiores e mais influentes países de língua oficial não inglesa da eurovisão, a canção alemã foi totalmente cantada no idioma de shakespeare, e frança e itália – cujas línguas nativas têm, também, uma expressão global significativa no mundo da música –, apresentaram-se com canções bilingues: cantadas em italiano e inglês, e em francês e inglês, respectivamente (também a canção russa foi cantada em russo e inglês). já o tema espanhol foi cantado em castelhano – mas o título era bilingue (castelhano e inglês). e houve ainda o caso curioso da roménia, que se apresentou com um tema cantado em espanhol e inglês. de resto, hungria, lituânia, islândia, chipre, noruega, azerbaijão, dinamarca, grécia, suécia (que venceu o certame), turquia, ucrânia e moldávia (para além dos inevitáveis reino unido, irlanda e malta) cantaram em inglês.

já em 20111, a vitória do azerbaijão aconteceu (que surpresa!…) em inglês – e 22 dos 25 temas da final foram cantados total ou parcialmente nesta língua. e, feitas as contas, desde que em 1999 se autorizou cada país a cantar na língua que entendesse, apenas num ano o tema vencedor não foi cantado em inglês (2007, sérvia). neste período, grécia e finlândia estrearam-se a ganhar depois de décadas de participações; e também foi a cantar em inglês que suécia (duas vezes), dinamarca, estónia, letónia, turquia, ucrânia, rússia, noruega, alemanha e azerbaijão venceram. já portugal continua a apresentar-se, ano após ano… em português, quase sempre com canções muito meritórias (como a deste ano), mas sempre mal classificadas (ou nem sequer atingindo a final, como em 2011 e 2012). aponto duas razões que, em minha opinião e entre outras, têm contribuído para este facto: é difícil passar uma mensagem em português por essa europa fora; a nossa língua é menos musical do que outras (por exemplo, o inglês). ora, caro leitor, se a todos os países acima mencionados, incluindo os ‘grandes’ alemanha, frança e itália, não lhes caem os parentes na lama por se apresentarem com temas em inglês, por que razão em portugal isso não aconteceu, até agora, nem uma única vez?!.. certo: houve um tempo em que tal não era permitido. mas, mal foi, todos os países escandinavos e a esmagadora maioria dos países do leste europeu nem hesitaram… já nós…

creio que nem a língua portuguesa (um valiosíssimo activo que nos distingue no mundo), nem a nossa cultura, nem o bom nome de portugal sairiam desprestigiados ou diminuídos se, no caso específico do eurofestival, nos apresentássemos num idioma diferente do de camões – que, claro, para aumentar a probabilidade de vencer e obter sucesso global, só poderia ser o inglês. mas a opção que até agora tem vingado é bem reveladora de uma certa mentalidade, muito conservadora e nada pragmática, que continua a dominar o nosso país em múltiplos aspectos – incluindo o de não perceber que nada ganhamos em ir contra as tendências internacionais ou em mantermo-nos orgulhosamente sós em vez de, passe a expressão, ‘fazermos pela vida’. porque, se mais não fosse, no caso específico do eurofestival, para quem não saiba, o país vencedor organiza o concurso no ano seguinte… sendo que, pelo menos nas duas ou três semanas que o antecedem, ganha uma projecção global (no mínimo europeia) gratuita! já se imaginou portugal, só pelo facto (hipotético…) de ter ganho uma edição, colocado no mapa global? como aconteceu aquando do euro’2004 ou da expo’98 – mas, aqui, com a vantagem de não haver investimento (ruinoso, como aconteceu com os estádios, por exemplo…) a realizar. os benefícios que daí não adviriam para o nosso turismo e a nossa economia – e de que tanto precisamos!…

no fundo, é o mesmo caso de muitos ainda não terem percebido que só tornando-nos mais competitivos e atractivos podemos ter sucesso a nível global. e é por isso que, em múltiplas áreas, como a legislação laboral, a justiça, a desburocratização de serviços ou a fiscalidade, entre outras, temos de mudar. o mundo não espera por uma pequena economia aberta como a nossa – nós é que temos de perceber o que fazer e adaptarmo-nos se queremos ser bem sucedidos. no eurofestival, como em tudo o resto, será isto assim tão difícil de entender?!…