Os partidos e os fundos europeus

Se a ‘partidarite’ se sobrepõe ao sentido de Estado, o dinheiro de Bruxelas não ajudará a economia

Sem investimento a economia não tem futuro. A quebra do investimento público e privado é um dos grandes problemas que a economia portuguesa enfrenta. Daí que os fundos de Bruxelas surjam como uma tábua de salvação, embora não resolvam tudo. Tenho dito que os fundos que Portugal recebeu da Europa comunitária desde pouco depois da adesão em 1986 tiveram fases distintas. Num Conselho Europeu em Fevereiro de 1988 o então primeiro-ministro Cavaco Silva conseguiu para Portugal um montante cuja dimensão ninguém esperava. As prioridades na aplicação desses primeiros fundos eram óbvias, dadas as carências do país. Precisávamos de autoestradas, de saneamento básico, etc. Nessa fase, os fundos de Bruxelas comparticiparam significativamente na concretização de investimentos essenciais. Mais tarde, porém, emergiu a tendência de usar fundos europeus apenas, ou quase, para aproveitar um dinheiro disponível. Daí que parte desse dinheiro tenha sido desperdiçada em maus investimentos, privados e públicos. Multiplicaram-se, então, os pavilhões polidesportivos com escassa utilização, as rotundas em inúmeras povoações, as autoestradas onde passavam poucos carros, as empresas quase fictícias, etc.

Como geralmente acontece, o dinheiro fácil levou a investir sem uma análise séria de custos e benefícios (económicos e sociais). Com toda uma “indústria” montada para aproveitar os fundos de Bruxelas fosse como fosse, a qualidade do investimento deteriorou-se entre nós. Em resumo, a partir de certa altura o país perdeu mais do que ganhou com essa chuva de dinheiro, que chegou a atingir 4% do PIB. 

Por isso são necessários redobrados cuidados com a utilização do novo pacote de ajudas comunitárias, até porque, depois, elas não irão continuar ao mesmo nível. São fundos dirigidos sobretudo a empresas e à melhoria da sua competitividade, algo de que precisamos como de pão para a boca. 

Assim, foi com preocupação que li a entrevista que o ex-presidente do Programa Compete, Rui Vinhas da Silva, deu ao SOL de há uma semana. Já se sabia que este gestor público de fundos comunitários, tal como muitos outros altos funcionários do Estado, havia sido afastado de forma inaceitável (aliás, Vinhas da Silva já ganhou uma primeira acção em tribunal sobre este assunto). Não pertencendo a qualquer partido, Vinhas da Silva havia sido escolhido por concurso público e tinha mandato até 2022. No dia em que o ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, elogiou na televisão o programa que Vinhas da Silva orientava, este soube do seu afastamento pela Imprensa – o que diz muito sobre a coragem moral dos governantes. 

Não conheço Vinhas da Silva, nem conhecia o seu trabalho. Mas é alarmante que este alto quadro da Administração Pública nunca haja falado, nem trocado sequer e-mails, com os ministros do actual governo – era tudo tratado com o vogal… socialista (tinha outro, do PSD, que também foi marginalizado). A partidarização da gestão dos fundos de Bruxelas é preocupante, numa altura em que Vinhas da Silva tentava aproximar a Administração Pública das empresas. Decerto que, ao longo dos anos, a ‘partidarite’ se sobrepôs ao sentido de Estado pela mão de outros partidos, que não apenas o PS. Mas, a continuar por este caminho, o dinheiro de Bruxelas pouco ajudará a nossa economia.