Quanto mais quente pior

Enviamos menos gases para a atmosfera, mas mantemos comportamentos que aquecem cada vez mais o planeta. Consequências? Mais calor, secas, incêndios e inundações

Depois de batidos vários recordes de temrperatura desde que há medições e registos, pode ter-se chegado a um ponto de não retorno para o planeta?

Em 1987, 150 países comprometeram–se a diminuir o uso de substâncias que contribuem para a destruição da camada do ozono. Na altura, a meta era ambiciosa: dez anos até que os efeitos começassem a ser reais. Mas a realidade acabou por se mostrar bem diferente do esperado. Foram precisos quase 30 anos para que o esforço global feito para diminuir o buraco da camada do ozono desse resultados. 

Em julho deste ano, o mundo acordou com uma notícia que fugia às habituais manchetes sobre o tema. Pela primeira vez, a palavra “diminuição” aparecia associada a este fenómeno climático e havia até uma comparação gráfica que ajudava a perceber a dimensão do acontecimento: o buraco da camada do ozono tinha diminuído o equivalente à área ocupada pela União Europeia (excluindo o Reino Unido), ou seja, quatro milhões de quilómetros quadrados. Esta redução, segundo os investigadores, fica a dever-se à diminuição do uso de clorofluorcarbonetos e outros químicos que contribuem para a sua destruição, como refrigeradores e aerossóis.

No entanto, a notícia, apesar de positiva, não deu tempo para grandes euforias. Um mês depois, o ambiente volta a ser notícia, desta vez num regresso ao lado negro da força. O ano de 2015 bateu um novo recorde em emissão de gases com efeito de estufa e aumento das temperaturas no planeta, depois de um 2014 que já tinha alcançado marcas históricas e fez disparar os alarmes sobre os possíveis efeitos da mudança climática. 

Fenómenos diferentes Nos dois casos fala-se de gases, temperaturas e perigo para a saúde pública, mas a verdade é que a diminuição do buraco do ozono e o aquecimento global não são fenómenos causa-efeito. “Os gases que causam a destruição da camada do ozono são gases com efeito de estufa, ou seja, também contribuem para o aquecimento, mas é o dióxido de carbono enviado para a atmosfera que mais contribui para o aumento das temperaturas”, lembra Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista ZERO e ex-dirigente da Quercus.

Daí que se fale num buraco da camada do ozono mais pequeno – “uma boa notícia, principalmente para as zonas polares” –, ao mesmo tempo que se noticiam efeitos cada vez mais nefastos das alterações climáticas. “Os reflexos são mais que visíveis”, lembra Francisco, recorrendo aos últimos recordes batidos. O ano de 2015 foi, de facto, o mais quente desde que há registos de temperatura, e 2016 prepara-se para entrar neste pódio sem direito a medalhas. O junho deste ano foi o mais quente de sempre e o 14.o mês consecutivo com temperaturas recorde.

Os valores registados nestes meses são 1,3 graus superiores às temperaturas que se registavam na era pré-industrial. Além disso, no pico do degelo que ocorre nos meses de verão, o gelo na zona do Ártico – um dos mais importantes indicadores das alterações climáticas – tem uma extensão 40% inferior à área que ocupava nos finais da década de 70.

E Portugal? Podemos não ter as temperaturas da Índia, as secas de África ou os tsunamis do Japão, mas a verdade é que os fenómenos climáticos extremos são cada vez mais comuns em Portugal. “E vão sê-lo cada vez mais.” A garantia é dada ao i por Tiago Capela Lourenço, especialista em alterações climáticas, que aproveita para lembrar que os incêndios que têm vindo a atingir o país são um bom exemplo dessa inevitabilidade. “Ondas de calor, temos todos os anos”, refere, “mas felizmente nem todas acabam assim.” Só na última quinzena de julho foram registadas duas nas regiões do Vale do Tejo, Alto Alentejo e interior norte e centro. 

Para o investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, cenários como os da Madeira e do norte do país acabam por lançar o alerta para a necessidade de mudança de comportamentos. “Está provado que se gasta menos dinheiro na prevenção do que no combate às alterações climáticas”, acrescenta.

Portugal já tem desde 2010 uma estratégia nacional dedicada ao combate às alterações climáticas. “Há vontade de fazer algo, mas temos de, finalmente, passar à prática”, refere. Para justificar a urgência na ação, lembra que o último relatório publicado pela Agência Europeia do Ambiente previa para Portugal um aumento da temperatura, menos precipitação global mas, ao mesmo tempo, mais chuvadas rápidas e intensas. 

O investigador acredita que o país está ciente desta necessidade de agir preventivamente e que o passar à prática requer vontade política, mas também uma maior consciência cívica de cada um. “A educação das nossas crianças vai ser fundamental para um futuro mais consciente”, conclui.