Cientistas portugueses descobrem nova arma contra a tuberculose

Equipa estudou enzimas que poderão ajudar a ultrapassar casos resistentes a antibióticos

E se em vez de usar apenas antibióticos para eliminar as bactérias for possível tornar o organismo mais eficiente no combate às infeções? A hipótese tem estado em cima da mesa noutras áreas da medicina e agora uma equipa de investigadores portugueses focou-se na tuberculose e descobriu que a desregulação de um grupo de enzimas parece ter um papel importante no desenvolvimento da doença. 

O trabalho foi publicado ontem, na revista científica “Scientific Reports”, e David Pires, investigador da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e coautor do trabalho, admite que a descoberta pode abrir portas a novas intervenções numa altura em que as resistências causam cada vez maior preocupação a nível mundial. Segundo os últimos dados da Organização Mundial de Saúde, há oito milhões de novos casos de tuberculose diagnosticados todos os anos, dos quais 450 mil são declarados multirresistentes (situações em que os antibióticos disponíveis não são capazes de debelar as infeções). 

A explicação encontrada pela equipa – que junta investigações do Instituto de Investigação do Medicamento da Faculdade de Farmácia e do Instituto de Medicina Molecular – foca-se no papel das catepsinas. David Pires explicou ao i que estas moléculas atuam numa espécie de “sistema digestivo” das células, intervindo no processamento de proteínas e destruição de patogéneos. Os investigadores descobriram que, em contacto com a bactéria que causa a tuberculose, o bacilo de Koch, parece haver uma diminuição da atividade destas enzimas – uma avaria no sistema que poderá explicar porque é que em alguns casos este micro-organismo tem uma maior sobrevivência dentro das células humanas e a infeção não é debelada. “A tuberculose funciona muito assim: impede que as armas do sistema funcionem e vive onde os outros microrganismos morreriam rapidamente”, diz o investigador. 

Perceber como inverter o processo e até reforçar estas enzimas, para as tornar auxiliares dos antibióticos, em vez de um obstáculo, é o passo que se segue. Mas o potencial não fica por aqui. A ideia é prosseguir com estudos em torno destas moléculas e perceber como manipulá-las, mas também se podem ter um efeito relevante noutras infeções, por exemplo no VIH, onde ainda se procuram formas de eliminar totalmente o vírus do organismo. 

Na área do cancro, a descoberta de que o sistema imunitário pode ser mobilizado para combater as células cancerígenas é considerada uma das linhas de intervenção mais promissoras, com os novos tratamentos de imunoterapia a mostrar resultados acima da convencional quimio e radioterapia. David Pires salienta que a ideia na base desta linha de investigação é idêntica: juntar aos antibióticos uma ajuda da nossa própria biologia. Para já, estão numa fase inicial e não há prazo para chegar à clínica.