Deutsche Bank. Portugal poderá enfrentar dificuldade no acesso ao crédito e juros mais altos

A opinião dos analistas contactados pelo i é unânime, Portugal sai abalado com a crise do gigante alemão. O sistema financeiro português continua muito débil e poderá enfrentar maior instabilidade e desconfiança.

Dificuldade no acesso ao crédito, juros mais altos e maior instabilidade no sistema financeiro português são algumas das consequências que Portugal poderá vir a sofrer caso não seja encontrada uma solução para o Deutsche Bank, alertam alguns gestores contactados pelo i.

João Queiroz, diretor de negociação do Banco Carregosa, lembra que “os impactos normais que se colocam a uma pequena economia – muito aberta, sem política monetária, fiscal, orçamental e cambial, e pobre em recursos – seriam uma dificuldade temporária de algumas das suas empresas em aceder ao crédito e financiamento”.

Mas admite que os impactos poderão ser mais abrangentes numa escala global. “O pior cenário, se tivesse alguma probabilidade significativa de ser real, não afetaria apenas o euro, mas diversas outras divisas, assim como outros instrumentos financeiros”, salienta.

Já para Steven Santos, gestor do BiG, o sistema financeiro nacional continua a ser demasiado débil e o principal canal de contágio será o mercado de dívida soberana. “Caso o stresse em torno do Deutsche Bank continue a aumentar, é provável que, em momentos de maior incerteza, a taxa de juro da dívida alemã sofra com isso. Visto que a dívida alemã é a referência europeia para uma taxa de juro sem risco, seria natural que esse impacto negativo alastrasse pelo mercado de dívida europeu e que afetasse mais os países com maior risco de crédito”, afirma.

O economista João Duque acredita que os impactos para Portugal seriam mais indiretos do que diretos, uma vez que, no seu entender, o gigante alemão tem uma posição muito pouco significativa no mercado nacional. “O que me preocupa é a convulsão que o banco pode provocar na Europa, tal como o Lehman Brothers provocou no mundo. O Deutsche Bank é um grande banco mundial e, por isso, pode provocar um abalo muito grande em todo o sistema”, salienta ao i.

O economista lembra ainda que esta situação acabará por provocar uma maior instabilidade no sistema financeiro a que Portugal não fica alheio. “Os clientes depositantes começam a desconfiar cada vez mais da banca e até podem questionar, se isto acontece nos bancos alemães, o que poderá acontecer nos outros”, diz.

Uma opinião partilhada por Eduardo Silva, gestor da XTB, que, embora também admita que Portugal tem pouca exposição ao banco, um eventual resgate à instituição financeira teria impacto essencialmente no setor bancário nacional. “Há um processo de reestruturação já em prática, inclusive com fecho de balcões e despedimentos. Além disso, clientes com exposição a obrigações ou com mais de cem mil euros poderão ser chamados a assumir perdas antes de a Alemanha poder ajudar o banco”, salienta.

 

Efeito de contágio A opinião é unânime junto dos gestores: não é possível desvalorizar o efeito de contágio da queda de um banco com a dimensão do Deutsche Bank e só no caso do desenvolvimento real de uma crise financeira a nível europeu seria possível compreender a real dimensão da exposição do setor ao banco alemão.

Ainda assim, Eduardo Silva chama a atenção para o facto de a instituição financeira continuar a representar o maior risco sistémico a nível mundial. Estando perante uma situação de perdas, “o impacto seria desastroso em todo o globo”. O gestor diz também que “a dificuldade em prever a extensão dos estragos prende-se com a opacidade do maior portefólio de derivados do mundo.
A falta de transparência faz com que seja difícil calcular o impacto real de um cenário extremo”.

Já os analistas da Proteste acreditam que, depois do exemplo do Lehman Brothers, as autoridades “não se irão dar ao luxo de deixar uma instituição sistemicamente importante, como o Deutsche Bank, entrar em falência descontrolada”. No entanto, lembram que “tal não deve esconder o facto de a generalidade da banca europeia permanecer frágil. A acumulação de crédito malparado é um fator, mas não explica tudo”.

 De acordo com os mesmos, em certos aspetos, a união bancária é meramente teórica. “A fragmentação impera e os cidadãos europeus pouco beneficiam de um mercado único para os serviços financeiros. Hoje é simples subscrever um fundo de investimento estrangeiro, mas abrir conta ou contrair crédito num banco de outro país é ainda impraticável para os consumidores e para as pequenas e médias empresas”, referem.

 

Críticas à liderança A verdade é que a gestão do Deutsche Bank volta a estar debaixo de foco. Ontem foi a vez de o ministro da Economia dizer não saber “se ria ou se chore” depois de o CEO da instituição financeira afirmar que os mínimos históricos vividos pelo banco na bolsa se devem à especulação. No entender do vice-chanceler Sigmar Gabriel, não faz sentido que quem viveu da especulação agora se queixe dela.

Gabriel referia-se à declaração enviada aos trabalhadores pelo CEO do banco na sexta-feira passada. Nesse documento, John Cryan dizia que o banco estava a ser alvo de “especulação” e vítima de uma “perceção distorcida”. “Há forças no mercado que querem minar a confiança”, indicou o responsável pelo maior banco germânico. No entanto, para o vice de Merkel há uma preocupação: o eventual impacto nos postos de trabalho, já que cerca de metade dos 101 mil empregos do Deutsche Bank são no país de origem. “O cenário são milhares de pessoas que vão perder o seu trabalho. Eles vão pagar o preço da loucura dos dirigentes irresponsáveis”, disse Sigmar Gabriel, que é igualmente líder dos sociais-democratas, que governam em Berlim com os conservadores da chanceler alemã Angela Merkel.

O banco avançou com um plano de restruturação, depois da perda de sete mil milhões de euros em 2015, que prevê o encerramento de cerca de 200 filiais na Alemanha até 2020 e a redução de mais de nove mil postos de trabalho a nível mundial.