A madrugada dos taxistas (fotogaleria)

323 taxistas resistiram até as 2h25 minutos de hoje, acabando por abandonar a Rotunda do Relógio quando a polícia prometeu que iria limpar a Rotunda e bloquear os restantes táxis que se espalhavam até ao túnel do aeroporto. 

Depois de muitas promessas de luta e de confronto com a polícia e de ataques aos dirigentes que apelavam à desmobilização, os taxistas presentes aceitaram partir, até porque os cerca de 200 polícias presentes começaram a tomar posição de ataque.

Aqui fica o retrato das últimas três horas de manifestação que meteu Reagan, Estaline e Guerra Colonial ao barulho. Horas antes, haviam assistido num ecrã montado para o efeito ao Ilhas Faroé – Portugal e ao programa Prós e Contras da RTP1.

Carlos Ramos, presidente da Federação de Táxis, avisou: "nós se ficarmos aqui ficamos sujeitos à força da polícia!". "Os dirigentes servem para assumir responsabilidades não é só para ouvir", esclareceu o dirigente que apelava a uma desmobilização: "É preciso sair", insistia. Os manifestantes respondiam com apupos e gritos. "Não saímos! Vergonha! A solução é a luta!".

Florêncio de Almeida, o líder da ANTRAL que partilhava o palanque em cima de uma pick-up, limitava-se a encolher os ombros depois de ter um discurso mais ambíguo. Como presidente da maior associação do sector, garantia que ficava "até ao último táxi". No entanto, Florêncio avisava: "Eles têm alguma razão na questão do contingente. Eles não querem mexer na lei do táxi, querem criar um novo setor para fazer concorrência ao táxi… Não podemos perder os trunfos que temos na mão, não podemos perder a moral… Estamos a prejudicar o público. Eu não vou tomar a posição para a desmobilizar, temos que repensar". Os taxistas reunidos na Rotunda do Relógio não gostaram e protestaram "fica tudo na mesma!". "Vim aqui para quê?", perguntavam. "A maioria vai aprovar a lei e o sr. Presidente da República vai promulgá-la; não tenham dúvidas", tornava Florêncio, como lhe chamam os 'colegas'.

Carlos Ramos retomava a palavra, garantindo que um partido político prometia que levaria a lei que o governo propõe a discussão na Assembleia. O i sabe que o dirigente se referia ao PCP. Mas Ramos também referiu "o próprio Passos Coelho" que no dia da manifestação criticou a posição do governo.

Do aeroporto à saída da Rotunda do Relógio, o i contou 323 táxis. Longe do centro da manifestação, preenchiam os acessos do aeroporto sem qualquer espaço para outros automóveis. No túnel do aeroporto entre as chegadas e a Rotunda do Relógio, uns dormiam no seu interior, com as janelas abertas, outros juntavam-se para verem filmes em pequenos portáteis, uns fumavam, outros até namoravam. Um grupo de quatro mulheres distribuía fruta pelos carros. Um turista perdido, de mala de rodinhas atrás, deambulava meio perdido no bairro instalado pela classe. As bandeirinhas jaziam em baixo, sem vento, iluminadas por alguns faróis ligados e pela iluminação de rua alaranjada.

Nas chegadas do aeroporto, a polícia vigiava taxistas que procuravam fura-greves. Alguns turistas encostavam-se às paredes, sem perceber bem o que se passava, outros dirigiam-se ao metro que ainda ainda estava aberto. Dois belgas em viagem de negócios não se mostraram chocados perante a ausência de táxis. "Em Bruxelas também aconteceu. É chato, mas acontece". Um casal israelita também não se surpreendeu com o sucedido. "É um processo normal que acontece em todo o lado. Somos a favor da Uber, mas que faz muito lobbying, faz.". Um português regressado a casa rematou. "Isto só dá clientes à Uber. Onde é que você acha que posso apanhar um aqui?".

Um taxista tentou furar o bloqueio do aeroporto, recolhendo passageiros, e um colega prontamente correu atrás do fura-greves, pontapeando o pára-choques traseiro do táxi que decidira trabalhar. A polícia deteve o agressor. E os turistas observavam.

De volta à manifestação, os dirigentes, mais longe dos microfones, iam apelando à saída. "A melhor saída é saber sair. Não se perde força".  Um taxista de 78 anos de idade queixava-se às televisões. "Onde que estão os 3 mil do contingente de Lisboa? Há mais gente de fora do que táxis de Lisboa aqui. A indústria está degradada". Ao longe, ouve-se um grito. Outro veterano do setor proclamava: "Por mim morria neste praça! Enfrentei situações destas quanto estive na guerra colonial mas lá tinha uma arma!". O senhor acabou por sentir uma indisposição e uma das três ambulâncias do INEM, sempre em alerta, socorreu-o. A dança de microfones prosseguia. Florêncio de Almeida começava a suar por baixo da maquilhagem que resistia depois do programa de televisão a que fora nessa noite. Outro taxista lembrava um discurso de Ronald Reagan. "O caminho da paz nem sempre passa pela rendição! Se a polícia carregar em nós vai provar que estamos a viver uma república soviética como Estaline sobre a Ucrânia!" Não foi aplaudido.

Os polícias que cercavam a manifestação começavam a ajeitar as luvas e a estalar os dedos; um deles com uma caçadeira de canos cerrados ao ombro. O intendente do comando policial reuniu com Florêncio de Almeida e este voltou com a certeza que os carros na rotunda seriam rebocados e os nas redondezas seriam bloqueados e os seus proprietários levados a tribunal. Com a intenção de comunicar isso no palanque, os dirigentes viram-se confrontados com o não funcionamento do gerador. Ao fim de longos minutos e várias tentativas, tiveram sucesso. As primeiras cinco desmobilizações vieram daqui. Motoristas queriam saber se as multas dos bloqueamentos seriam pagas pelas associações. Foi-lhes assegurado que não. "Então mas não estavam connosco?", questionavam de volta. Florêncio respondia. "Eu não me escondo, estive sempre nas manifestações; querem ficar, ficamos. Não podemos é esticar a corda até ela partir. Temos que respeitar as pessoas que estão a ser pressionadas", referiu o líder taxista acerca de uma eventual carga policial. Eram já duas horas e doze minutos da madrugada. Segundo um dos coordenadores da Federação do Táxi, "o Ministério da Administração Interna deu ordens para usar força se for necessário". Carlos Ramos sustentou que "o Presidente da República ainda tem uma palavra a dizer, a Assembleia e as autarquias também".  Florêncio de Almeida completou, marcando manifestações para a próxima segunda-feira, "às oito da manhã". Uma no Palácio de Belém e outras duas, em frente à Câmara Municipal do Porto e à Câmara Municipal de Faro". E Ramos celebrou. "Boa viagem. Vamos em paz!".

O desfecho não parecia agradar à maioria, especialmente quem tinha feito a viagem desde o norte do país. Os dirigentes batiam palmas, os comandantes da polícia batiam continência e um dos ativistas abraçava um dos agentes. Florêncio de Almeida afirmou ao i que "a polícia foi responsável e o sector portou-se bem".

No fim, os 318 finais dispersaram. Um, lá desde a manhã do dia anterior, já ficara sem bateria e o veículo teve que ser empurrado por colegas. O comando da polícia lisboeta saudou os seus agentes. O "orgulho em comandar homens e mulheres com esta seriedade" foi enaltecido. Florêncio abandonou o local de táxi. Naturalmente.