Lava Jato. Mais um português acusado e mais ligações à Operação Marquês

Há uma semana foi tornado público que Lula da Silva foi acusado no Brasil por receber luvas em negócios em Angola. Mas no lote dos acusados está também um português. O i revela tudo sobre as 166 páginas de uma acusação que repete a palavra “Portugal” 69 vezes

O Ministério Público brasileiro acusou mais um português no âmbito da Operação Lava Jato. João Mário de Madureira Correia trabalhava para a empresa Exergia Brasil – detida pela Exergia Portugal e por Taiguara dos Santos, sobrinho de Lula da Silva – e terá assinado (enquanto representante) contratos desta sociedade com a empreiteira Odebrecht em negócios feitos em Angola. Para os procuradores brasileiros, tais contratos não passavam, porém, de uma forma de camuflar luvas que teriam como beneficiários finais Lula da Silva e o seu sobrinho. Segundo documentação do Ministério Público Federal a que o i teve acesso, João Correia foi já acusado, mas a investigação à empresa portuguesa vai continuar por existirem muitas outras suspeitas.

Operação Marquês também chegou à Exergia
O cerco à Exergia está a apertar-se dos dois lados do Atlântico. Ao que o i também apurou, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal também descobriu, no âmbito da Operação Marquês, pagamentos suspeitos feitos pelo Grupo Lena à sociedade de projetos de engenharia.

Em agosto foi inclusivamente pedido o levantamento do sigilo bancário para se apurar a origem de tais movimentações – que se acredita estarem ligadas ao desenvolvimento de obras no exterior.

O esquema da Exergia Brasil
A empresa era subcontratada pela Odebrecht – e aparentemente também o terá sido pelo Grupo Lena – para executar trabalhos no âmbito de obras que a empreiteira tinha ganho em Angola. Os investigadores brasileiros acreditam que tal subcontratação de serviços era apenas uma forma de pagar luvas a Lula da Silva, que exercera influência anteriormente para que a Odebrecht ganhasse essas empreitadas no estrangeiro.

“A acusação enfeixa Lula, Taiguara, Marcelo Odebrecht e outros personagens vinculados à Odebrecht e à Exergia Brasil na organização criminosa engendrada para favorecimento aos negócios internacionais da Odebrecht, sobretudo em Angola, e distribuição de benefícios”, refere a equipa que investiga a Lava Jato, garantindo que o esquema se processou em duas fases: uma primeira em que Lula, enquanto presidente da República, pôs em curso um esquema de financiamentos públicos [através do Banco Nacional de Desenvolvimento] para obras a realizar em países africanos e da América do Sul, e em que lucrou com pagamentos recebidos através da Exergia Brasil; e uma segunda em que, já fora do governo, “consolidou o esquema de favorecimento indevido anteriormente erigido em comum acordo com a Odebrecht”.

Lula começa a dar a cara “Nessa segunda fase, o ex-presidente – com a personalidade influente e proeminente que continuava ostentando, no cenário político interno e externo –passou a contar com a vantagem de poder “aparecer” publicamente em quaisquer ambientes (políticos ou empresariais), em atividades diversas, a princípio identificadas com responsabilidades ‘típicas’ de ex-chefes de Estado, sem que pudessem despertar suspeita quanto ao seu real objetivo”, explica a acusação, consultada pelo i.

Além dos benefícios que chegavam via Exergia Brasil, foi criada a empresa LILS (iniciais de Luiz Inácio Lula da Silva), que teria o objetivo de receber luvas, também camufladas, através de um aparente pagamento legal por palestras fora do Brasil. O MP acredita, porém, que tais palestras mais não serviam do que para exercer a sua influência a favor da Odebrecht junto de líderes estrangeiros, nomeadamente de países africanos e da América do Sul.

A chegada dos portugueses
Se um português já foi ‘apanhado’ nesta teia, outros há que ainda estão a ser investigados, asseguram as autoridades brasileiras. E para perceber o que está a ser investigado é preciso recuar um pouco: a chegada dos portugueses ao esquema de influência que visava a entrada da Odebrecht em Angola começou naquela que o MP brasileiro classifica como primeira fase do esquema montado por Lula.

“As investigações iniciadas pelo Ministério Público Federal e aprofundadas pela Polícia Federal […] deixam claro que, entre 2008 e 2010, os denunciados Marcelo Odebrecht, Lula da Silva e Taiguara dos Santos aliaram-se com uma quarta figura ainda não plenamente identificada (representante da empresa Exergia Portugal), com nítida unidade de desígnios, para praticar crimes de corrupção ativa/passiva e lavagem de dinheiro”, refere a investigação.

Assim, entre 2008 e 2009 foram “cooptados para a organização criminosa empresários e funcionários da empresa Exergia Portugal, sob a promessa de recontratações futuras, com o objetivo de que esta concedesse, de maneira praticamente gratuita, uma filial no Brasil a Taiguara, além de bancá-lo até o início das terceirizações [ou seja, subcontratações] feitas pela Odebrecht com base nos financiamentos obtidos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil” – financiamentos para os quais contara com a influência de Lula da Silva.

Exergia Brasil é uma fraude
De acordo com os trabalhos levados a cabo pela equipa de procuradores da Lava Jato, a Exergia Brasil era uma empresa “desnecessária para os negócios da Odebrecht e que só foi criada, como doação da empresa Exergia Portugal, para o fim de lavagem de vantagens, destinadas a Lula da Silva”.

Além disso, nem a filial brasileira nem a Exergia Portugal tinham competências técnicas para desenvolver muitos dos trabalhos contratualizados. E a brasileira nem sequer funcionários tinha, delegando a execução dos mesmos numa terceira entidade criada – a Exergia Angola.

Taiguara dos Santos disse numa comissão parlamentar de inquérito que foi o advogado português João Pinto Germano, administrador único da Exergia Portugal, quem lhe tinha oferecido sociedade – detalhes que o MP daquele país ainda vai ter de explorar, uma vez que está “pendente de aprofundamento a participação, nos fatos, dos representantes da Exergia Portugal, de funcionários do governo de Angola, bem como de agentes públicos brasileiros, responsáveis pela concessão de garantias e empréstimos” por parte de entidades públicas.

O que rendeu o esquema
O esquema montado terá permitido à sociedade do sobrinho de Lula receber vantagens ilegítimas de 20 milhões de reais, correspondentes a contratos celebrados com a empreiteira Odebrecht, e ainda encaixar os cerca de 700 mil reais que foram doados pela empresa-mãe portuguesa.

Lula da Silva e o português João Pinto Germano terão acompanhado o que ia sendo acordado, tendo sido já apreendidas fotografias de ambos em Angola que estavam no computador de Taiguara dos Santos. O i contactou ontem João Pinto Germano por email, mas não recebeu qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.

Exergia omitiu contas em Portugal
Como revelou em maio uma investigação do i e do jornal brasileiro “Estado de São Paulo”, a Exergia Portugal foi também apanhada pelo fisco português por não apresentar contas desde 2010. No mesmo dia em que foram feitas detenções no âmbito da investigação brasileira em São Paulo, a Conservatória do Registo Comercial de Lisboa decidiu iniciar uma dissolução administrativa, com a justificação de que a Exergia Portugal já não apresentava há vários anos as suas contas anuais. A situação foi entretanto regularizada para evitar o procedimento de dissolução.