Ourém. Chucha e peluche reforçam tese de rapto

Só um milagre poderia fazer com que Martim, de dois anos, conseguisse andar 26 horas sem perder a chucha que tinha na boca ou o peluche com que desapareceu e que tinha nos braços quando a GNR o encontrou. A roupa também não estava muito suja e o menino estava bem de saúde.

Martim apareceu ontem 26 horas depois de ter sido visto pela última vez pela avó materna – foi ao hospital e em pouco tempo teve alta. Mas a investigação está longe do fim. A Polícia Judiciária – que nunca descartou a hipótese de crime – está neste momento a passar a pente fino todos os detalhes desta história e ao que o i apurou existem para já pontas soltas que fazem os inspetores acreditar que a criança terá sido levada por alguém e deixada na serra antes do amanhecer.

Esta possibilidade foi ontem referida pelo diretor da PJ de Leiria, António Sintra, quando disse que é preciso confirmar se o desaparecimento teve origem em ato criminoso ou se apenas se tratou de um desaparecimento normal. A primeira hipótese é sem dúvida a mais provável segundo fontes da PJ ouvidas pelo i, mas que pediram para não ser identificadas.

“Seria quase impossível admitir que além de caminhar vários quilómetros em condições adversas, o menino conseguisse nunca perder a chucha, que tinha na boca quando foi encontrado, nem o peluche que também carregava”, explicou uma dessas fontes, lembrando que Martim já caminha, mas com alguma dificuldade.

Amigos da família da criança, que acompanharam as operações, também não acreditam que a criança possa ter pernoitado sozinha. “Estava com a roupa limpinha e não tinha qualquer arranhão. A única coisa que tinha era que lhe faltava um sapatinho”, reforçou uma das moradoras.

PJ Não quer deixar pedra por virar Apesar dos indícios, a Polícia Judiciária quer esgotar todas as linhas de investigação e por isso não descarta para já a hipótese de a criança ter passado a noite toda sozinha, até porque na noite de segunda-feira os cães pisteiros da GNR não tinham passado na zona onde a criança acabou por ser localizada.

“Não passaram os cães mas os militares da GNR estiveram lá e chamaram várias vezes pelo Martim e não ouviram qualquer reação, qualquer choro”, contou ao i uma das amigas da família, que pediu anonimato dado o segredo em que corre o inquérito.

Recolha de vestígios Além do peluche e da chucha, a roupa com que Martim foi ontem encontrado será relevante para a investigação, isto porque pode demonstrar por onde andou, bem como perceber se seria possível chegar onde foi encontrado.

“Nestes casos são feitos exames que mostram quantos passos as crianças podem dar e é feito um estudo sobre as horas em que a criança em questão aguentaria em condições idênticas às que viveu, mas podem também ser enviados nas próximas horas para Lisboa vestígios para serem analisados. É preciso primeiro perceber se a roupa tem fibras, se tem botânicos, se tem entomologia (insetos) e se tem vestígios geológicos, de terra”, explica fonte conhecedora da investigação.

O controlo dos aeroportos O caso de Martim é em tudo idêntico ao da criança que desapareceu na Madeira em janeiro de 2014. Daniel desapareceu, foi montado um grande dispositivo policial e houve uma grande atenção mediática. Poucas horas depois a criança apareceu, numa altura em que aparentemente a intensidade das buscas era mais reduzida.

A experiência com estes casos pode também explicar o facto de a GNR ter reduzido as operações durante a noite de segunda para terça-feira, abrindo espaço a que a criança fosse devolvida em boas condições.

“A grande diferença entre os dois casos é que [no caso de Martim] não se trata de uma família desestruturada e a criança estava com a fralda suja quando foi encontrada, mas isso não significa só por si que andou sozinho. Caso alguém o tenha levado pode ter tido o cuidado de não mudar a fralda de Martim para que a tese de desaparecimento parecesse mais credível”, continua fonte policial.

Além do alarido mediático e das buscas no local, o i sabe que tal como aconteceu no caso da Madeira foram redobrados os cuidados nos aeroportos. Até porque o pai de Martim, que tinha perdido há pouco a guarda do filho, vive em Paris e as autoridades quiseram assegurar que não existiria uma fuga de avião.

Alerta da Polícia Judiciária António Sintra, diretor da PJ de Leiria, disse ontem aos jornalistas que em casos como este os pais devem fornecer às autoridades todos os dados objetivos e evitar a divulgação de informações nas redes sociais, ao contrário do que fez a mãe de Martim.

Mas os problemas nesta investigação não se ficaram por aí. Quando a criança foi encontrada, os militares da GNR tê-la-ão entregue à mãe, foi alimentada e tomou banho antes de chegar ao Hospital de Leiria para realizar perícias. Alguns especialistas explicam que tais ações, nomeadamente a retirada da roupa, poderão trazer algumas dificuldades à investigação.

Investigação não parou durante a noite Os cães pisteiros não estiveram no terreno durante a noite de segunda para terça-feira, mas houve militares de alerta e a investigação da PJ não parou. Houve aliás várias pistas que foram recolhidas nessas horas e que poderão ter sido determinantes para que na manhã de ontem três militares da GNR encontrassem a criança de dois anos na serra, a dois quilómetros da casa da avó, de onde desapareceu.

Num comunicado enviado às redações, a PJ esclarece mesmo que “em estreita articulação com a Guarda Nacional Republicana” desenvolveu “diversas ações ininterruptas que conduziram à localização de um menino”.

Quando foi encontrada, a criança estava sentada num caminho sem saída, em zona florestal, molhada e com um choro baixo. Os guardas que a encontraram dizem que estava assustada e que a entregaram de seguida à mãe.