Vale e Azevedo: um mestre a manter as aparências

Um mestre a manter as aparências, João Vale e Azevedo conseguiu convencer clientes e parceiros de negócios estrangeiros de que estava em liberdade, quando na verdade estava preso. «Ele manteve o escritório a funcionar na Avenida da Liberdade, com uma secretária que atendia as chamadas e anotava os recados. E uma vez por dia ele…

o esquema durou os três anos que o advogado esteve na cadeia e permitiu-lhe manter contactos, nomeadamente no reino unido, que o ajudaram a fugir à justiça portuguesa, vivendo uma vida de luxo naquele país. «ele esteve anos a preparar a ida para inglaterra. as pessoas com quem ele mantinha contactos lá nem sabiam que ele esteve preso», conta a mesma fonte.

aos que leram nos jornais sobre os problemas que tinha com a justiça em portugal, vale e azevedo mostrava-se como vítima de uma perseguição. «para o comprovar, dizia que estavam a tentar extraditá-lo por causa de processos nos quais já tinha cumprido pena».

o plano em terras de sua majestade incluía ostentar um nível de vida que o tornasse credível aos olhos de eventuais investidores. para provar ser um bem sucedido homem de negócios, o antigo presidente do benfica fazia questão de mostrar a casa arrendada em londres, onde nunca chegou a pagar a renda, mas que afirmava ser sua. «ele disse-me que comprou a casa no n.º 21 da wilton place em londres por 13 milhões de libras», contou às autoridades inglesas nils peter sieger, um dos queixosos numa acção que decla não foi o único a ouvir esta versão e a partilhá-la com o tribunal britânico: o barão alemão hans george von doernberg e o dirigente da unita, o partido da oposição angolana, isaías samakuva, dizem-se burlados pelo advogado e explicaram às autoridades inglesas a forma como foram ludibriados pelo português.

 

o político angolano enganado

foi num restaurante de luxo da capital inglesa que joão vale e azevedo propôs um negócio irresistível a isaías samakuva. o português assegurava estar interessado em expandir os investimentos da sua empresa, a v&a, na produção de cana-de-açúcar para desenvolver projectos na área do bio-combustível. para isso, precisava de um terreno de grandes dimensões em angola.

convencido de que o investimento ia ajudar a criar centenas de postos de trabalho nas regiões rurais de angola – onde a unita tem a sua maior implantação –, samakuva disponibilizou-se a ajudar a encontrar a terra necessária. mas vale e azevedo queria uma prova da boa-fé do angolano. «disse-me que para que a v&a investisse 50 milhões de dólares em angola, seria necessário que a unita investisse três ou quatro milhões de dólares na v&a». a quantia ultrapassava as possibilidades do partido angolano, mas isso não fez o ex-presidente do benfica recuar. «quanto é que a unita pode investir?», replicou, aceitando sem pestanejar o milhão de dólares que isaías samakuva disse poder pôr no negócio.

rapidamente, o advogado apresentou ao político angolano um contrato – em seu nome individual e não da unita – para que este adquirisse acções da v&a. samakuva hesitou. queria mostrar o documento aos seus advogados. mas joão vale e azevedo conseguiu convencê-lo a assinar. a unita nunca mais viu o dinheiro e o investimento nunca se concretizou.

 

o barão alemão burlado

o esquema foi descrito ao supremo tribunal de justiça inglês – que analisou a insolvência de vale e azevedo – por isaías samakuva, que só caiu tão facilmente neste conto do vigário porque conheceu vale e azevedo através de nils peter sieger, alemão residente em portugal e representante da unita na alemanha.

essa foi, aliás, a forma usada por vale e azevedo para angariar investidores: usou sempre alguém conhecido para fazer o contacto inicial.

foi assim que conseguiu ficar com cerca de 1,3 milhões de euros do barão alemão von doernberg e dos seus filhos. mais uma vez, o barão conheceu o advogado, através de sieger. ambos acreditavam que o luxuoso estilo de vida de vale e azevedo era um sinal claro de que se tratava de um bem sucedido homem de negócios. daí que não tenha sido difícil convencer von doernberg e os seus filhos a investir na v&a, com uma promessa de retornos na casa dos 50%.

para atestar a saúde financeira da v&a, vale e azevedo mostrou os relatórios e contas da empresa, auditados por uma conhecida empresa de solicitadoria, a taylor vinters. «apesar de o sr. sieger me ter dito que o sr. azevedo gozava de publicidade negativa em portugal, estava confiante de que os negócios da v&a eram monitorizados de forma segura pelos seus solicitadores e auditores», confidenciou o barão às autoridades inglesas.

mais certo ficou de que o seu dinheiro estava em boas mãos, quando viu a lista das empresas em que alegadamente a v&a tinha participações. uma delas era a copam, companhia portuguesa de amidos – que, mais tarde, viria a explicar à empresa inglesa que interpôs a acção de insolvência, que «nenhum dos referenciados accionistas [da copam] é ou foi jamais a sociedade de capitais ingleses [v&a]».

desconhecendo isso, o barão ainda apresentou a vale e azevedo o seu sobrinho, moritz von oertzen, que acabou por investir 50 mil euros na v&a. no seu testemunho, o alemão não tem dúvidas sobre o que aconteceu: «acredito que o meu filho, a minha filha e eu fomos vítimas de uma fraude deliberada e calculada, perpetrada pelo sr. vale e azevedo».

samakuva e a família do barão von doernberg investiram na empresa de vale e azevedo em 2008. mas em 2005 já o advogado, nessa altura ainda em portugal, tinha convencido vários portugueses a pôr o seu dinheiro na v&a – registada no reino unido. um dos investidores que entraram no capital da empresa nessa época foi o médico espanhol josé maria tallon, que investiu 70 mil euros.

margarida.davim@sol.pt