‘Ni hablar’

Por exigências editoriais combinadas com limitações profissionais vejo-me obrigada a escrever estas notas quase uma semana antes da cimeira europeia de 28 de Junho.

a esta distância, e correndo o risco de alguma perda de actualidade face aos acontecimentos, insisto na urgência dos objectivos a atingir.

a questão mais relevante estará na credibilidade destes encontros. como ficou cabalmente ilustrado nas mensagens subliminares do g20, a imagem da união europeia perante os cidadãos e o mundo exterior degrada-se cimeira após cimeira com a sua total incapacidade de produzir decisões concretas, substituindo-as por generalidades e uma autossatisfação com declarações proclamatórias desligadas de qualquer conteúdo prático.

desta vez, no entanto, o recém-chegado françois hollande – seja porque é um político ‘normal’ ainda sensível à gravidade da situação, seja pela sua mera competência – fez circular um texto preparatório da cimeira, o qual constitui um sinal de alívio pela relevância dos temas elencados. a saber, em quatro tópicos essenciais:

uma iniciativa interna para o crescimento estimada em cerca de 130 mil milhões de euros – na actual emergência, ela terá de ser inevitavelmente financiada pelo bei e, ainda, por parte dos fundos estruturais que os estados-membros (portugal incluído) não puderam ou quiseram utilizar; será, no entanto, fundamental garantir que o impacto económico desta iniciativa estimule em especial as economias problemáticas, não necessariamente através de apoio directo (que como se vê dificilmente absorvem) mas pelo menos garantindo formas de as empresas gregas, portuguesas ou espanholas conseguirem captar uma quota substancial dessa nova procura.

uma abordagem nova a ‘velhos temas’, entretanto largamente esquecidos, desde a reformulação da política comercial externa a elementos de uma política industrial europeia; neste contexto, a mera afirmação de que a europa tem de continuar a ser um local onde “se produz” é, nos tempos que correm, uma janela de esperança.

uma referência à inevitável necessidade de se estabelecer a tal ‘união bancária’ europeia, o que requer, em minha opinião, um conjunto de elementos novos (da lei de falências à supervisão, designadamente) e, nas presentes condições por forma a evitar a fuga generalizada de capitais, uma garantia dos depósitos em euros na zona euro, pelo menos até aos limiares actuais; nem todos estes detalhes integram o texto disponível, sendo que, além disso, parece bastante problemático o acesso proposto dos bancos ao ‘quebra-fogo’ existente para a dívida soberana (esm).

um aspecto menos desenvolvido do referido texto tem a ver com a gestão coordenada da dívida soberana – os ‘eurobonds’ –, apesar de esta ser talvez, neste momento, a brecha mais perigosa do edifício europeu. no quadro do parlamento europeu avancei com uma proposta legislativa de gestão em comum da dívida soberana que exceda os 60% do pib dos países da zona euro – na linha, aliás, da proposta do conselho consultivo do governo alemão – através de um fundo de amortização gradual durante 25 anos e de uma emissão coordenada da dívida corrente. juntamente com um roteiro para a introdução a prazo de euro-obrigações e com uma iniciativa de crescimento de 1% do pib da união europeia durante 10 anos, a aprovação maciça no plenário do passado dia 13 destas propostas, agregando todos os principais grupos políticos, constituiu um passo importante por parte do parlamento e que agora fica a aguardar a adequada resposta do conselho.

e portugal? o que esperamos nós da cimeira? o que pensamos nós das propostas de hollande? duvido que alguém saiba ao certo e eu, que estou normalmente atenta, não ouvi ‘ni hablar’…

*economista e eurodeputada