Cortar ou não cortar na dívida pública divide a geringonça

A sustentabilidade das finanças e a capacidade de cumprimento das obrigações está no centro do debate. Em Portugal e na Europa.

Cortar ou não cortar na dívida pública divide a geringonça

No final do debate do Orçamento do Estado, a líder do Bloco de Esquerda, defendeu que «Portugal precisa de uma redução de juros». Também o deputado do PCP, Paulo Sá, argumentou que «quando pagamos mais de oito mil milhões de juros»  é necessária uma «ação decisiva de renegociação da dívida, reduzindo significativamente os juros que pagamos».

O critério dos juros «aparentemente é extraordinário, se o critério for o do peso», diz João Duque, uma vez que um corte na «dívida tem um efeito positivo nas contas». Tiago da Costa Cardoso corrobora. «Do ponto de vista económico, tudo o que leve a uma menor carga de custos, faz sempre sentido». No entanto, «é preciso perceber se dentro da realidade do país no âmbito europeu isso faz sentido», afiança o gestor da corretora XTB.

Diferenças

Da parte do Governo, a retórica é no mesmo sentido. Mas com diferenças no tempo e no local. Na do Orçamento do Estado, Mário Centeno afirmou ser necessário que «Portugal tenha uma redução na taxa de juro que paga pelo seu endividamento» e que esta é uma questão «crucial para o futuro próximo da economia portuguesa». Uma semana depois, em Bruxelas, o detentor da pasta das Finanças afirmou que «a reestruturação da dívida não está e não vai estar em cima de mesa». Entre as declarações de Centeno em Lisboa e as em Bruxelas houve um Eurogrupo.

A reunião dos ministros das Finanças da zona euro terminou com o seu presidente a ser peremtório. «Não discutimos nem vamos discutir porque Portugal é capaz de pagar a sua dívida», disse Jeroem Dijjselbloem. O também ministro das Finanças da Holanda rejeitou qualquer alteração das condições da dívida portuguesa e o presidente do Mecanismo de Estabilidade Europeu, Klaus Regling, fez questão de assinalar que a taxa de juro a que Portugal está a conseguir financiamento «está em torno dos 3,5%, enquanto na Grécia é de 8%».

Quando se fala em reestruturação da dívida «fala-se em alterar os compromissos de dívida que Portugal tem como os seus credores». E isso pode ser feito de várias formas: «‘Haircuts’, redução de juros, ou aumento de maturidade e pagamentos», esclarece Tiago da Costa Cardoso.

Dificuldades

«Penso que quando os atores políticos falam em reestruturação, referem-se ao perdão de montante, como aconteceu com a Grécia», opina Filipe Garcia. O economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros  sustenta que «o peso da dívida pública é muito elevado, mesmo tendo em conta que os juros pagos atualmente são muito baixos em termos históricos». Ainda assim, «a taxa de juro é acima da taxa de crescimento nominal da economia, o que se traduz em dificuldades acrescidas».

Mesmo com as dificuldades e no mesmo dia em que o responsável das Finanças falava em Bruxelas, o seu homólogo dos Negócios Estrangeiros garantia no Parlamento que o Governo «não tenciona renegociar a sua dívida» como também «não tenciona suscitar por si qualquer processo de reestruturação sistémica da dívida».

João Duque concorda que uma eventual renegociação da dívida «não pode ser feita unilateralmente, tem de ser feita num contexto europeu de reestruturação das dívidas europeias». O economista sustenta que esta é uma situação «possível, mas não sei se é desejável».

Grécia

Além disso, na União Europeia, a avaliar pela posição do  Eurogrupo, a questão está fora de hipótese uma vez que poderia ser  prejudicial para a discussão de alívio da dívida que se deverá iniciar em dezembro na Grécia.

«Na Europa não se vê com bons olhos uma renegociação de dívida sem que hajam razões extremas para isso. Com o caso de sucesso que foi a Irlanda e com a performance que Portugal estava a ter com o anterior Governo, é praticamente garantido que estes desejos de renegociar a dívida sejam bloqueados pelos parceiros europeus», argumenta Tiago da Costa Cardoso, sustentando que neste contexto não faria sentido uma reestruturação «não só porque Portugal tem vindo a aprovar Orçamentos de Estado que contemplam o cumprimento dessas obrigações, como pelo facto de termos uma taxa de juro substancialmente mais baixa» que a Grécia.

No entanto, lembra Filipe Garcia, «Portugal já reestruturou a dívida recentemente no que diz respeito aos prazos e taxas de juro, que foram alterados simultaneamente na dívida que o país tem com o FEEF [Fundo Europeu de Estabilidade Financeira]». O especialista sustenta que «foi uma reestruturação suave, mas foi uma reestruturação ‘de facto’».

Gestão

O ministro dos Negócios Estrangeiros avança que «Portugal tenciona continuar a aproveitar» os mecanismos «que permitem ora estender maturidades ora trocar dívida nos mercados por dívida de juros mais baixos, ora colocar dívida de curto prazo a juros praticamente nulos. São elementos convencionais de gestão de dívida que o Governo anterior já usou e o atual também».

Santos Silva esclarece que qualquer movimentação do Governo será com medidas já adotadas e não através de eventuais pedidos de perdão de dívida.