O Ministério Público (MP) fez ontem mais de 30 buscas em estabelecimentos de saúde e escritórios de advogados na Grande Lisboa e no Grande Porto por suspeitas de benefícios concedidos à farmacêutica Octapharma, de Paulo Lalanda de Castro – que é arguido na Operação Marquês. As buscas – que se estenderam à Suíça – aconteceram depois de a investigação ter passado a pente fino todos os contratos celebrados com a Octapharma entre 1999 e 2005 – um volume de negócios de 137 milhões – e descoberto fortes indícios de crime.
No âmbito da Operação O-Negativo foi detido o ex-presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro. A farmacêutica e Cunha Ribeiro são suspeitos de terem montado um esquema que permitiu à Octapharma ter o monopólio do fornecimento de plasma ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O i sabe que apesar de a investigação estar já numa fase avançada não foi ainda possível determinar ao certo todas as alegadas luvas que terão sido pagas, estando a ser investigado o esquema de branqueamento de capitais. Estão inclusivamente a ser identificados outros elementos que participaram neste crime.
Em causa neste inquérito estão suspeitas “da prática de crimes de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de vantagem e branqueamento de capitais”. A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou que além das buscas em território nacional foram levadas a cabo “duas buscas […] em território suíço” – país onde reside Lalanda de Castro.
Segundo o i apurou, os investigadores ponderam pedir a colaboração das autoridades de outros países, como o Brasil.
Até ao momento não foram recolhidos quaisquer elementos junto da Operação Marquês, ainda que existam diversas ligações como referências em conversas escutadas com o administrador da Octapharma.
A relação com Lalanda Cunha Ribeiro e Lalanda de Castro são amigos há mais de 20 anos. A mãe do gestor da Octapharma dirigiu a farmácia hospitalar do Hospital de São João nos anos 80, onde Cunha Ribeiro viria a dirigir o serviço de imunohemoterapia e a exercer o cargo de diretor clínico até rumar a Lisboa para liderar o INEM e depois a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, cargo para o qual foi nomeado em 2012 por Paulo Macedo.
Cunha Ribeiro chegou a dar aulas a Lalanda de Castro na Faculdade de Medicina do Porto, mas o gestor acabaria por abandonar o curso para se dedicar à carreira na indústria farmacêutica.
Em 2004, já em Lisboa, Cunha Ribeiro muda-se para um apartamento no edifício Heron Castilo, o prédio onde José Sócrates e a mãe adquiriram casa em 1998. O apartamento em causa era propriedade da empresa Convida, de Lalanda de Castro. O aluguer deste apartamento ao amigo foi em 2013 objeto de uma queixa da atual bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, ao DIAP de Lisboa, por considerar incompatível o presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo – entidade com responsabilidades também nos concursos para aquisição de medicamentos – viver numa casa com ligações a uma farmacêutica. Cunha Ribeiro viria a deixar a casa pela mesma altura em que Lalanda e Castro foi constituído arguido na operação Marquês.
Ana Rita Cavaco foi na altura alvo de um processo disciplinar por questionar as despesas do conselho diretivo da ARS de Lisboa e Vale do Tejo num período de cortes no SNS. A bastonária chegou a fazer as críticas em reuniões do PSD, enquanto conselheira nacional do partido, mas Macedo manteve a confiança no gestor.
Foram várias as polémicas. Em abril de 2012, Cunha Ribeiro anunciou que a MAC seria encerrada em seis meses, após estudos técnicos que não foram apresentados. A criação da urgência metropolitana de Lisboa motivou também críticas. Em 2014, a adjudicação por parte da ARS de Lisboa e Vale do Tejo de serviços de acompanhamento da reforma da urgência e da rede hospitalar a uma empresa constituída na semana anterior por Miguel Oliveira, ex-colega de Cunha Ribeiro no INEM, tornou a colocar o médico nas páginas dos jornais. O caso levou à demissão da chefe de gabinete do então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, também sócia da empresa.
a polémica do plasma O negócio do plasma em Portugal também tem feito correr tinta. Depois do escândalo dos hemofílicos, a aquisição de derivados de sangue foi centralizada pela tutela. Em 2008, o Secretário de Estado da Saúde socialista Manuel Pizarro assina uma despacho que permite aos hospitais passarem a fazer compras individuais, tendo havido um surto de ajustes diretos nesta área com domínio do mercado da Octapharma, que fontes ouvidas pelo i justificam com uma postura agressiva com preços mais baixos que os concorrentes e o perfil “lobbista” de Lalanda e Castro. A partir de 2012, torna a haver concursos e acordos de aprovisionamento.
A PGR esclareceu ontem que “os factos em investigação ocorreram entre 1999 e 2015” e que, com este esquema, os suspeitos conseguiram vantagens indevidas que “procuraram ocultar, em determinadas ocasiões com a ajuda de terceiros”. Manuel Pizarro não está a ser investigado, referiu ao i fonte próxima da investigação.