Fernanda Serrano: “Ser atriz dá-me o direito de viver várias vidas”

Não que não goste da sua própria vida, que procure uma fuga para a frente sem olhar para trás. Mas porque ser atriz, para Fernanda Serrano, alarga as possibilidades de viver outras experiências e encontrar outras respostas. Sem nunca deixar de ser quem é: uma alentejana de 43 anos, mãe de quatro e, como diz,…

Fernanda Serrano: “Ser atriz dá-me o direito de viver várias vidas”

Terminadas as gravações de “A Impostora”, Fernanda Serrano está de regresso aos palcos, juntamente com Ana Brito e Cunha e Maria Henrique._As três pisam o palco do Teatro Villaret a partir de 2 de fevereiro, com a peça “40 e Então?”, um desenrolar de perguntas sobre o que é isto de ser mulher. E ter mais de 40 anos.

O que é que uma mulher de 43 anos pode dar em termos de conselhos em relação aos 40?

Não muita coisa, porque eu própria ainda não me sinto muito encaixada no tema dos 40 anos. Serei para sempre uma miúda. Felizmente conheço quem, até acima dos 85, continue a pensar e agir como miúdas. Realmente a idade está na cabeça, por muito que a matéria cá fora vá envelhecendo… E eu não me sinto de todo com 40 anos.

Diz isso numa lógica de negação ou porque efetivamente não sente mesmo que já tenha passado a charneira dos 40?

Não sinto mesmo. Na minha cabeça sempre olhei para os 40 anos com um peso que na realidade agora não sinto que tenham. Nem sequer fisicamente. E ainda bem porque tenho de chegar a muitos mais lados do que tinha quando era mais nova, basta pensar que sou mãe de quatro.

Já sentia essa tranquilidade em relação aos 40 anos quando eles se estavam a aproximar?

Nunca senti qualquer angústia em relação aos 40 anos. O único momento em que fiz um balanço grande foi aos 25. Senti que já não era miúda ou teenager inconsciente, já estava a caminho dos 30, daquela fase em que se pensa em constituir família – e eu, nessa altura, não tinha uma relação duradoura que me permitisse pensar nisso de forma fundamentada, mas sabia que queria ser mãe e de muitos. E por isso, aos 25 anos, não planeei mas planifiquei uma série de metas, fiz um esqueleto sério do futuro. Acabei por ser mãe só aos 31 anos, e tenho quatro, faltou um para os cinco que desejava.

Será a terceira vez que sobe a palco com esta peça, “40 e Então?”. Desde a última vez entrou definitivamente no terreno dos 40 anos, o que mudou no seu olhar em relação a este texto?

Estreámos em 2014, no Tivoli, e fizemos uma larga temporada. Depois fomos para o Auditório dos Oceanos, onde também estivemos algum tempo. Depois parámos, até porque eu estava grávida da Caetana. Mas ficou sempre a premissa que queríamos voltar a fazer esta peça. No outro dia fomos almoçar e falámos nisto, sendo que agora a grávida é a Ana Brito e Cunha. Quanto ao meu olhar, neste momento ainda estou mais preocupada em resgatar o texto à memória… Mas este não é nada um espetáculo estanque, é um espetáculo que vive muito da forma como nos relacionamos as três. A nossa cumplicidade é fundamental para a longevidade desta peça.

Quando se fala de uma peça como esta, com três mulheres a discutirem a condição feminina e, neste caso, os 40 anos…

…pensa-se logo que é uma coisa menor e popular.

Exato. Sendo que, neste caso, o ponto de partida são textos de mulheres como Ana Bola, Helena Sacadura Cabral, Sónia Aragão, Sílvia Baptista, Inês Maria Meneses, Rita Ferro, Leonor Xavier e Rute Gil, além das próprias atrizes.

Pois. Esta peça tem um bocadinho de tudo e é muito mais inteligente do que se possa pensar. De forma muito simples faz com que muitos dos homens que assistem cheguem a perspetivas que, se calhar, não teriam de outra forma. É-lhes devolvida a mesma mensagem que, se calhar, recebem em casa, mas em casa é diferente porque quem aponta o dedo é a mulher deles. Ali ouvem e no final ficam a pensar.

Costumam ter muitos homens na plateia?

Sim. Claro que há muitos grupos de mulheres, sobretudo de 40 anos ou em que uma das amigas faz 40 anos. Esta peça fala desde a solidão, às questões sexuais, às mulheres cujos filhos já saíram de casa e depois regressam, às mulheres que foram deixadas pelos maridos por uma mulher mais nova e que depois já não sabem como reiniciar uma vida amorosa porque não estão à vontade com o seu corpo… É uma peça muito transversal que vai desde questões mais intimistas a outras mais histriónicas.

Mas acha que peças deste género ajudam à questão da igualdade de género ou antes reforçam os estereótipos?

Esta peça não é feminista, é puro entretenimento. Estamos a falar de coisas sérias de forma leve, coisas que têm a ver com homens e mulheres. Posto isto, a questão da igualdade de género continua a ser muita parra e pouca uva. Fala-se muito, a vontade é imensa, mas ainda falta muito para lá chegarmos. Temos de trabalhar muito mais do que os homens. Não me agrada saber que um colega meu ganha mais do que eu, só porque é homem. Mas é o que acontece. E não estou a dizer que o homem não merece ganhar o que ganha, mas nós é que não merecemos ganhar menos. Em Portugal, só agora é que se começa a discutir isto nos estúdios.

Em termos do teatro, teve sempre experiências mais ligadas justamente ao teatro popular._Com pena?

Prefiro dizer teatro comercial. Quando estou em palco, gosto que me vão ver. Estou a trabalhar para o público, não para mim. E não acho que este tipo de teatro seja menor em nada.

Mas sente que as portas de outros géneros teatrais estiveram sempre fechadas para si?

Nunca senti isso. Desde que comecei a trabalhar como atriz nunca tive pausas, trabalhei sempre. Mas também posso dizer que a razão por que não tenho feito esse outro teatro não foi por falta de convites, mas antes por falta de tempo para os aceitar. E isto, sim, é um luxo. Tudo aquilo que me propus fazer e que desejei fazer na vida, fiz. E não sou nada do género de pessoa, artisticamente falando, de guardar para mim os meus pequenos segredos daquilo que gostaria de fazer. Não, tenho uma tal abertura e espírito livre que, se quero fazer, por exemplo, um filme com o Leonel vieira, ligo-lhe a perguntar se tem um papel para mim. Proponho-me. Não tenho pudor de o fazer e não tenho aquele preconceito de achar que têm de se lembrar de mim, porque sou muito importante.

Alguma vez se propôs e lhe responderam que não?

Por acaso não, mas pode acontecer. Não levaria a mal. Podem perfeitamente achar que o papel que têm não se adapta a mim ou eu a ele. O que já aconteceu foi não conseguirmos, lá está, conciliar agendas. E também já aconteceu dizerem-me que têm um papel mas não têm dinheiro para me pagar… Mas como eu queria muito, fiz pro bono. Acho isto tudo muito saudável, quero poder correr atrás daquilo que quero. Não quero ser, como tenho alguns colegas, aquela atriz que nem vai fazer castings! Sei que há atores que acham horrível eu fazer isto, e outros que pensam por que é que não fazem a mesma coisa! Mas eu sou assim, e sinto muito a necessidade de me espicaçar e de ter velocidades diferentes de trabalho e desafiar-me. Preciso de fazer coisas que nunca fiz, por isso corro atrás delas. Mas também há coisas que tenho muito medo de fazer.

Como por exemplo?

Uma peça de teatro sobre a Frida Kahlo que já deveria ter acontecido há muitos anos.

E por que não aconteceu?

Por vicissitudes da vida. Fiquei grávida da Maria Luísa logo a seguir ao problema clínico que tive. E quando pegámos na peça pela segunda vez, o António [Feio] adoeceu. E nós atrizes somos um bocadinho – um bocadão! – supersticiosas. Chegámos a ter cartazes feitos e bilhetes vendidos. Tenho muita vontade de fazer esta peça, mas ao mesmo tempo tenho um grande respeito porque a vida já me deu, por duas vezes, sinais de que não deveria fazê-la.

Em 2008 teve cancro da mama. Pensa com frequência que pode voltar a ficar doente?

Penso muitas vezes. É indissociável do facto de ter passado por esse problema, de estar viva e de querer continuar por cá. Tenho uma imensa esperança de viver muitos mais anos, até porque tenho quatro filhos. Não consigo não ter este pensamento. Até porque basta falar com qualquer médico para ele dizer que ninguém garante que não possa voltar a ter um problema, apesar de nunca ter tido.

Quantos anos passaram?

Vai fazer nove anos em março.

Nunca esquece essa data?

Lembro-me perfeitamente de tudo. Tudo, tudo, tudo. Fica cravado no chip da memória. Não ando a contar quantos meses passaram, mas todos os dias me lembro. E não é pesado para mim pensar nisto. É algo que já passou. Agora, para evitar voltar a ter o problema clínico que já tive só posso tentar levar uma boa vida, rastrear muita coisa. Passei a ter mais cuidados comigo, mas não me tornei uma fundamentalista. Mas depois a vida manda muito mais que nós.

Já disse algumas vezes “problema clínico”. Cancro é uma palavra que lhe custa dizer?

Acho que pode ser agressivo até para quem ler isto. Porque, na realidade, há muitos problemas tão ou mais graves que o cancro, como os degenerativos. Tenho de dar muitas graças por ter conseguido resolver, de forma tranquila, dentro do possível, a situação com a qual me deparei em certa altura da minha vida. Mas não tenho qualquer problema em dizer a palavra cancro.

Que idade tinha quando foi diagnosticada?

Trinta e quatro, era demasiado nova. Antigamente ouvíamos falar deste tipo de situação acontecer às mulheres de 60 anos, não acontecia a mulheres tão jovens – como tem acontecido cada vez mais nos últimos anos. Ainda por cima aconteceu-me imediatamente a seguir a um parto, que é uma fase em que naturalmente já estamos mais frágeis.

E no seu acaso havia ainda todo o planeamento que tinha feito aos 25 anos de ter muitos filhos e isso também ficou em causa…

Sim, mas nessa altura a prioridade é apenas mantermo-nos vivas. Eu queria viver. Depois logo se via o resto. Nessa altura nem pensava se poderia voltar a ser mãe.

No entanto acabou por acontecer logo de seguida, o que até era pouco aconselhável.

Sim. E foi-me apontado o dedo por algumas pessoas, inclusive médicos. Questionavam por que é que esta atriz – eu – tinha sido tão inconsequente e irresponsável ao ponto de engravidar premeditadamente? Aí eu precisei de repor a verdade e fi-lo através do livro “Também Há Finais Felizes”. Não premeditei uma gravidez, fui alvo de negligência.

Os seus filhos falam consigo sobre este assunto?

Eles só souberam há muito pouco tempo. O Santiago tem 11 anos e a Laura 9. Há cerca de um ano tiveram conhecimento, através de outros miúdos, e confrontaram-me com essa questão. Respondi de forma simples e verdadeira. Achei que a melhor forma de não os preocupar era mostrar que aquilo já tinha acontecido há muitos anos e que a mãe estava bem, conforme eles podiam comprovar. Não escondi nada, omiti durante algum tempo, apenas porque achei que ainda era cedo para eles terem esse peso, mas quando eles puxaram o assunto, falámos. Eles chegaram ao pé de mim com um ar muito aflito, porque associaram cancro a morte, mas ao mesmo tempo, na cabeça deles, algo não fazia muito sentido porque viam a mãe viva e bem, e nem nunca me viram sequer debilitada ou frágil. Nunca mais voltaram a falar no assunto.

Esse questão do “nunca me viram sequer debilitada ou frágil” é primordial para si? Isto é, faz questão de estar sempre, mesmo que apenas aparentemente, bem e sorridente?

Sou muito assim no dia-a-dia. Para os meus filhos sou sempre assim, mesmo nos dias não, em que possa não me sentir tão bem psicológica ou fisicamente. Quero sempre que eles me vejam bem e feliz, sobretudo porque não os quero preocupar. Depois, para os restantes, a verdade é que nunca demonstro quando estou mal. Quero que me vejam sempre bem, com um sorriso. Tenho sempre um sorriso para oferecer, até para aqueles que podem desejar ver-me em baixo. Os momentos menos bons guardo para mim e para um núcleo muito próximo. E acho que a vida deve ser vivida com leveza, ainda que nem sempre o consiga fazer. Mas tento. Apesar de, o facto de ser atriz, me levar por vezes a sítios muito cinzentos em que me sinto emocionalmente lá em baixo. Mas também temos de viver esses momentos, para depois vivermos os outros mais leves e positivos.

Aos 43 anos sente que continua a ser a tal miúda da margem sul?

Continuo, e não saio de lá. Nasci em Lisboa, mas nunca cá nasci. Culturalmente falando sou alentejana, de Estremoz, que é uma terra que adoro e onde me sinto muito bem. É dali que me sinto oriunda. Os meus costumes são todos alentejanos, até a comer sou alentejana. Passei sempre as férias no Alentejo e ainda hoje tenho lá muita família. O facto de viver na Caparica faz-me sentir que já vou a caminho de lá, já estou no além Tejo. Não gosto de grandes cidades, de grande densidade populacional, gosto de ter horizonte, gosto da planície. E, ao contrário do que já se disse, o lado de lá não é o deserto (risos).

Essa imagem da planície marca as suas recordações de infância?

E o cheiro do Alentejo, que é único. Aquele frio duro. As noites quentes de verão. O céu estrelado. Os pirilampos. Assar carne no lume de chão. Não haver ainda água canalizada. Aprendi a viver de muitas formas por causa do Alentejo. Gostava que os meus filhos crescessem com a liberdade que eu tive, mas hoje em dia tenho muitos medos. Sempre fui muito feliz no Alentejo, onde passei todas as férias, das maiores às mais pequenas. Vivia com os meus pais na Caparica, mas os avós estavam todos no Alentejo, e era para lá que ia sempre.

Quando era mais adolescente sentia o mesmo ou, pelo contrario, queria era vir para a cidade?

Não, nada!

Mas já disse que, a certa altura, passou a ser mais da cena cultural de Almada e arredores do que propriamente da paz alentejana.

Fui uma teenager muito rebelde e muito dada ao rock._Aliás, continuo a ser muito rockeira…

Chegou a participar numa banda?

Não, mas tinha elementos muito próximos… (risos) Era uma banda de garagem, nada conhecida. Sempre gostei de fazer uma vida alegre, rebelde, mas sem perder as estribeiras. Fui sempre muito bom aluna, exceto nessa fase mais rebelde em que era apenas boa aluna.

Nunca pensou cantar?

Nem pensar! Sempre tive consciência de que canto muito mal!

O que gostava de ouvir?

O que ainda hoje oiço! Van Halen, Aerosmith, AC/DC, que fui ver quando vieram cá e foi dos melhores concertos da minha vida.

Teve oportunidade de pensar no que gostaria de fazer com a sua vida ou a moda apanhou-a antes?

Acho que fui apanhada, mas porque me deixei a jeito. Sempre fui muito atenta, sempre observei muito. E sempre estive muito atenta às boas oportunidades. Acho que é muito bom observar e aprender com isso. Aprende-se mais a ouvir do que a falar. Tinha uns 15 ou 16 anos quando fui para a Perfil 35 [agência de modelos].

Mas, em casa e na escola, não começava a ser alvo da conversa “está na altura de pensares o que queres para o teu futuro…”?

Senti isso quando fui para o 9º ano. Tinha de escolher se ia para Ciências ou Letras ou Artes e sabia lá eu o que queria fazer para o resto da vida! Queria era divertir-me! Nessa altura há uma pressão desgraçada. Temos de escolher e temos de escolher bem senão vamos ter de voltar para trás e perder anos da nossa vida. Mas eu não fazia ideia do que queria ser na vida. Quis ser jornalista, relações públicas, médica, professora, bailarina…

Mas modelo não?

Nem nunca tinha pensado nessa hipótese.

Mas que imagem tinha de si? Achava-se gira?

Nada gira. Até aos 14 anos era muito pouco feminina. Nunca me vi como uma miúda gira. Portanto, quando aos 15 alguns colegas me fizeram uma partida e me inscreveram num concurso, achei disparatado. Mas ao mesmo tempo ia-me permitir divertir-me e sair com os meus amigos.

E os seus pais, tinham ideias para o seu futuro?

A minha mãe queria que eu trabalhasse no Estado para ter segurança. Lembro-me perfeitamente de a minha mãe me dizer: “Filha, se trabalhares na função pública vais ter uma segurança para a vida.” Quando comecei a trabalhar como modelo e depois como atriz, ela quis que concluísse os estudos e fosse para a faculdade. Ainda estive no curso de Tradutora e Intérprete, ao mesmo tempo que continuei a trabalhar como modelo que até me ajudava a pagar os estudos. Mas entretanto fui para Barcelona trabalhar uma temporada. Fui para ficar um mês e fiquei um ano.

Como era a sua vida em Barcelona?

A melhor! Trabalhei muito, recebia muito bem. Fui para lá em 1994 e a cidade estava completamente em ebulição. Tudo ali era novidade para mim. Era filha única, filha de pais alentejanos conservadores q.b., e de repente ali estava eu, sozinha em Barcelona, eu que nem nunca tinha saído do país, só tinha ido ao Alentejo, ao Algarve e ao Porto.

Não teve medo?

Quando me proponho um desafio é porque tenho a certeza que vou conseguir concretizá-lo. Com calma. Nunca entro em pânico, é muito raro ficar assustada. Com calma tudo se faz. Fui viver para um apartamento de modelos, que ficava por cima da agência, éramos umas sete ou oito pessoas, mexicanos, americanos, uruguaios, ingleses, austríacos. Conheci gente de todo o mundo. Fui muito feliz nesse ano. E aprendi muito, aprendi a ter mais confiança em mim e a ter os olhos bem abertos.

Por que diz isso?

Senti que precisava de tomar conta de mim, porque estava sozinha. De resto, não vi nem estive em sítio ou situação nenhuma que não existam fora da moda.

Foi em Barcelona que teve a primeira proposta como atriz, para fazer um filme, “Muere Mi Vida”, de Mar Tangariona.

Sim. Até então nunca tinha pensado sequer que um dia viria a trabalhar como atriz. Estava a fazer um casting para um anúncio de uma revista de decoração e o registo desse casting acabou por ser visto por uma realizadora de cinema que, uns dias mais tarde, me chamou, através da agência, para fazer um casting para o filme que ela estava a preparar. Disse que sim, mas avisei a agência que não só não era atriz como era portuguesa. Uma vez mais, atenta às oportunidades, confiei naqueles que sabiam mais que eu. Se uma realizadora achou que me devia convidar, quem era eu para recusar? Fiz um casting, dois, três… Todos em espanhol. E fiquei com o papel.

Imagino que o primeiro dia de rodagem, para uma portuguesa que nunca tinha sonhado ser atriz num filme espanhol, não tenha sido fácil…

Estava muito nervosa. Mas ainda hoje fico muito nervosa, sinto uma enorme responsabilidade. E fico sempre com a ideia de que não sei se vou conseguir fazer de forma perfeita. Sou muito exigente para comigo mesma, acho sempre que posso fazer mais e melhor, que ainda não fiz de forma brilhante. Mas naquela estreia, apesar dos nervos, tinha também muita inconsciência. Queria corresponder às expectativas de quem me tinha escolhido, mas ainda assim havia alguma inconsciência. Segui à risca todas as indicações que me deram. Ainda hoje sigo sempre as pessoas que me dirigem.

Foi logo durante esse primeiro filme que sentiu que queria ser atriz?

Foi logo no final do primeiro dia de rodagem que senti que era isto que queria fazer para o resto da vida. Nunca tinha sentido isto antes. Estava tão feliz com o que estava a fazer, senti-me completa e senti que ali seria feliz, a viver outras vidas. Acho que ser atriz dá-me o direito de viver várias vidas. Ainda hoje as personagens me ajudam a resolver questões, pensando através das suas cabeças, em vez de pensar com a minha.

Quando termina a temporada em Barcelona, regressa a Portugal e informa a agência cá que afinal quer ser atriz?

Nem pensar! Não queria voltar. Voltei porque os meus pais me pediram para os vir ver e porque era agosto. Era uma altura muito parada em termos de trabalho e portanto era ideal para vir cá. Vim, mas com passagem de avião marcada para voltar para Barcelona. E casa, que tinha arranjado uma casa para mim e ia sair da casa da agência. Na minha cabeça eu ia ficar a viver lá, o que deixou os meus pais muito angustiados porque iam ter a filha única a viver fora do país. Dias antes de ir, a agência cá chamou-me para um casting de um programa de televisão, que eu nem sabia bem qual era. Era para apresentadora do “Noite de Reis” e quem estava a fazer o casting era o José Eduardo Moniz, o Pedro Rolo Duarte e o Pedro Curto. Escolheram-me e eu aceitei porque, mais uma vez, confiei em quem sabia mais que eu e se tinham optado por mim de entre 400 e tal candidatos era porque devia aceitar. E os meus pais ficaram felizes da vida.

Mas ficou cá a pensar que ainda queria regressar a Barcelona?

Fiquei a fazer o programa até fevereiro, depois fui a Espanha para a estreia do meu filme em Madrid e Barcelona, mas voltei logo depois até porque entretanto estava na universidade e tinha frequências. De seguida mandei currículos para todas as produtoras de Portugal e chamaram-me da SP para fazer uma novela [“A Grande Aposta”, de Tozé Martinho]. Tinha 23 anos.

 

Sentiu que era mais uma modelo que virava atriz, como aconteceu com tantos outros nessa fase?

Fui sempre muito bem recebida. Acho que as pessoas perceberam que eu ia com vontade de trabalhar, de fazer, de aprender, com muita humildade como sempre tive e continuo a ter. E também tive muita sorte, comecei por trabalhar com a Manuela Maria, o Armando Cortez, o Raul Solnado, o Manuel Cavaco, a Lurdes Norberto, o Nicolau Breyner… Pessoas que continuarão a ser sempre as minhas referências. Acho que eles perceberam que eu estava ali de forma séria. Além disto, dois anos depois, aos 25, terminei logo com os trabalhos como manequim. Queria que percebessem que ser atriz era um compromisso mesmo sério para mim e que era a profissão para a minha vida.

São 20 anos de novelas. Mas agora, quando entra num plateau, já não é a jovem ex-modelo, mas a Fernanda Serrano protagonista.

Não sinto isso da Fernanda Serrano. Quanto a ser a protagonista, por norma sou, e isso é bom porque são papéis mais estimulantes. Mas eu não sinto o tal peso de ser a Fernanda Serrano. Apesar de ser notório, quando trabalho com atores mais novos, que ficam mais nervosos quando estão a gravar comigo. Tento desmistificar isso de imediato e fazer com eles o que fizeram comigo quando era eu que tinha vinte anos.

Nunca se sente farta das novelas?

Gosto muito da velocidade da televisão. Mas é muito extenuante. E quando chegamos a mais de meio de uma novela ficamos todos cansados. Este último projeto [”A Impostora”] foi muito corrosivo e desgastante emocionalmente. E ficamos cansados de nós. Quando chegava ao final de um dia em que gravava 30 e tal cenas, cada uma gravada dez vezes, estava cansada de me ouvir!

Não há anos suficientes que preparem para perder um colega e um grande amigo, como o Nicolau Breyner, em plenas gravações de um projeto comum?

Não. Ontem aconteceu-me uma coisa estranhíssima… Estava sozinha, a pensar alto em coisas da minha vida, e agarrei no telefone e, como tantas e tantas vezes, liguei ao Nicolau. Não consegui apagar o número dele. Sempre que lhe ligava com algum drama, ele dizia-me: “Tu és muito parva, miúda!” E acho que, se ele estivesse ali ao meu lado, estaria a dizer: “És parva, miúda, achas que te ia atender?” Todas as pessoas têm o lado A e o lado B, mas acho que o Nico tinha dois lados A. Das coisas que mais gostávamos de fazer era comer, beber e rir, barrigadas de riso…

Mas como soube que tinha morrido?

Estava a gravar num hotel em Oeiras, uma série de cenas pesadas. Comecei a olhar para a cara do realizador, do primeiro assistente, e comecei a ver algo estranho e um silêncio ensurdecedor. A primeira coisa que pensei foi que tinha acontecido alguma coisa com a minha família. Perguntei o que se passava e ninguém respondeu, estavam a decidir se contavam e parávamos as gravações ou se não contavam. Obriguei-os a falar e a partir daí já não houve condições para continuarmos. Para nenhum de nós, não foi só para mim. O Nico era uma pessoa muito querida que nos faz, a todos, muita falta.

Terminou recentemente as gravações da novela “A Impostora”. Já sabe o que se seguirá, em termos televisivos?

Não. Agora estou no pousio televisivo, lá para abril saberei as novidades.

Mas continua a ser exclusiva da TVI?

Sim, felizmente continuo a fazer parte do exército fiel da TVI.

E volta e meia é assediada pela concorrência?

Faz parte e até é importante sentirmo-nos desejados por outras estações…

Disse, no início desta conversa, que aos 25 anos planeou muita coisa da sua vida. Se tiver de fazer um balanço…

Correu muito bem. Agora estou numa fase diferente da minha vida. É uma fase, e se calhar tem a ver com a idade… Continuarei a dar muito de mim aos que me são próximos, como sempre dei e sempre recebi – às vezes até acho que recebo muito mais do que aquilo que dou – mas vou começar a cuidar mais e a olhar mais para mim. Acho que chegou a altura de tomar conta de mim.

Foi isso que a fez aceitar fazer uma sessão fotográfica sensual para a revista “GQ”?

Às vezes é importante olharmo-nos ao espelho. Quantas vezes em saio de casa sem me olhar ao espelho, só porque já sou a quinta a vestir-me. Visto a Laura, a Maria Luísa, a Caetana e o Santiago… Quando chega a mim é o que estiver ali à mão. Muitas vezes esqueço-me de mim. E foi importante fazer aquela capa e sentir-me bonita. E muito sexy! Senti que, aos 43 anos, ainda sou capaz de tudo!