Ribeirinho. Um homem de palco

Lembrado pelos papéis de comédia que interpretou no cinema português na década de 40, Francisco Lopes Ribeiro foi sobretudo um homem de palco. Levou a cena textos de grandes dramaturgos, como Anton Tchekov, Nicolai Gogol, Bernard Shaw, Óscar Wilde ou Samuel Beckett, do qual fez a estreia portuguesa de «À Espera de Godot».

Para Francisco Lopes Ribeiro (21 de Setembro de 1911 – 7 de Fevereiro de 1984), homem do teatro, nada do que ao teatro dizia respeito era estranho. Actor, encenador de mérito (alegadamente capaz de fazer representar uma pedra), director de companhias teatrais, empresário, Ribeirinho, como era tratado no meio artístico e como carinhosamente ficou conhecido, foi também actor e realizador de cinema.

Na tela, foi o caixeiro apaixonado por Tatão, em «O Pai Tirano», o porteiro do antigo número 13 da Rua Castilho, onde morava «A Vizinha do Lado», ou Rufino filho, esse improvável sedutor do «Pátio das Cantigas». Muito embora nos antípodas dos modelos hollywoodescos construídos pelos grandes ícones do espectáculo, não resistia ao papel do galã. E a verdade é que o jovem amador dramático Chico Mega de O Pai Tirano (1941) – uma das mais notadas prestações da sua carreira – não precisou de atributos másculos para conquistar o coração de Tatão e o vivo aplauso do público. 

Nasceu em Lisboa e aí se iniciou nas lides teatrais aos 18 anos, pela mão do actor Chaby Pinheiro, estreando-se em A Maluquinha de Arroios, de André Brun. Nas tábuas do palco revelou notáveis dotes de actor.

Com um percurso pontuado de êxitos na comédia de fácil apelo popular, puramente comercial, mas também no teatro dito ‘sério’, Ribeirinho dirigiu, entre 1936 e 1940, a companhia itinerante Teatro do Povo, abertamente vinculado aos valores máximos do ideário do regime e dominado pela ideia de uma mensagem simples para um povo simples: pastoras inocentes, camponeses felizes com o seu labor, os quais sairão de cena em virtude de uma remodelação, a partir de 1952, que vai culminar com a sua própria extinção e substituição, em 1956, pelo Teatro Nacional Popular, residente no Trindade, e que Ribeirinho dirigirá também, voltando-o para o meio urbano e para o teatro como arte e expressão de uma cultura mais erudita. Aqui, dará a conhecer ao público português novos dramaturgos e novas formas teatrais. Entre os espectáculos que aí encenou, destaca-se um polémico À Espera de Godot, de Samuel Beckett, por ele apresentado em estreia em Portugal em 1959. 

Com o seu irmão António Lopes Ribeiro criou uma companhia que, reunindo um elenco de primeiro plano, apresentando encenações seguras e cheias de imaginação, ganharia prestígio mítico: «Os Comediantes de Lisboa» (1944-1948), uma sociedade artística que levou à cena Bernard Shaw, Jean Giraudoux, Tolstoi, Somerset Maugham, Emlyn Williams, entre outros. Ribeirinho dirigiu, por fim, o Teatro Nacional de D. Maria II, entre 1978 e 1981, aquando da reabertura após o brutal incêndio de 1964.

De entre as dezenas de peças que encenou, destaca-se, pelo seu tremendo êxito de público, O Impostor-Geral (1965). Para o seu sucesso como encenador muito terão contribuído os seus métodos, explicitados pelo historiador Vítor Pavão dos Santos: «consistiam em torturar os actores durante os ensaios, dizendo toda a casta de impropérios, para deles retirar o seu melhor». Métodos!

Ligado à direcção de artistas, os seus olhos sempre se orientaram para a descoberta de novos valores. Foi o responsável pelo lançamento de nomes como os de Ruy de Carvalho, Armando Cortez, Canto e Castro, Manuela Maria e Francisco Nicholson.

No cinema participou em vários filmes assinados pelo seu irmão, como A Revolução de Maio (1937), O Feitiço do Império (1939), ambos alegorias cinematográficas do Estado Novo, O Pai Tirano (1941) ou A Vizinha do Lado (1945), de André Brun. Em O Pátio das Cantigas (1941), uma das mais célebres e amadas comédias populares do cinema português, de irresistível sabor revisteiro, que co-realizou com o irmão, surge, ao lado de Vasco Santana, praticando uma modalidade desportiva numa cena de antologia: a ginástica sueca. Foi ainda dirigido por Arthur Duarte (A Menina da Rádio, 1944; O Grande Elias, 1950), Ladislao Vadja (Três Espelhos, 1947) e Teixeira da Fonseca (O Diabo Desceu à Vila, 1979). Com o seu irmão co-realizou também o documentário As Rodas de Lisboa (1951).

Com a sua paleta de talentos, Ribeirinho marcou definitivamente o espectáculo teatral e cinematográfico do século XX português.