Que só os beijos te tapem a boca

Este desejo é, no fundo, um manifesto de liberdade, de vontade de liberdade dos demais e, também, de amor. Desejar que só os beijos tapem a boca de alguém é desejar que essa pessoa fale livremente e, simultaneamente, que só o amor (através do beijo) lhe tape a boca. Já não me recordo onde encontrei…

Este desejo é, no fundo, um manifesto de liberdade, de vontade de liberdade dos demais e, também, de amor. Desejar que só os beijos tapem a boca de alguém é desejar que essa pessoa fale livremente e, simultaneamente, que só o amor (através do beijo) lhe tape a boca.

Já não me recordo onde encontrei esta frase, mas sei que me ficou na memória durante muito tempo e que refleti bastante sobre o seu significado.

De liberdade e de amor já tratei diversas vezes nestes textos. São temas constantes e recorrentes em muitas das formas de expressão inscritas nas paredes. Até porque o próprio ato de escrever sobre uma parede é um gesto de liberdade, é uma forma de tornar a liberdade visível aos demais. Também o próprio tema do amor, daquele que «é fogo que arde sem se ver», é um dos mais gravados nas paredes. Mas esta fórmula, tal como figura nesta parede, é muito original.

E a originalidade é, exatamente, pela sua definição, singular e rara. Não é comum encontrar pessoas que se destaquem pela sua originalidade, pela sua forma única de ser e de estar, pela maneira, consciente ou não, de ser singular e, assim, marcar os outros e fazê-los pensar que, no fundo, todos somos únicos e, como tal, todos poderíamos marcar a diferença, pela nossa personalidade, pela nossa capacidade de atuar, pela nossa forma de encarar o mundo e o que nos acontece. Ser original deveria, pois, ser natural. No entanto, não é assim que habitualmente vemos a nossa capacidade de sermos únicos, e acabamos por nos repetir, por fazer as coisas quase sempre da mesma maneira, como quem vê «a neve descer pela colina / derretida num riacho de abril / escorrendo sobre o sulco do ano anterior», numa bonita imagem de Robert Frost.

Talvez seja por assim nos termos habituado ou porque fomos aprendendo, ao longo da vida, que é suposto agirmos de determinadas maneiras, seguindo as normas e respeitando aquilo que consideramos ser esperado de nós. Acabamos, pois, por não ter a coragem nem a confiança necessárias para nos comportarmos de outro modo, talvez do modo como gostaríamos. Porque, efetivamente, termos um pensamento livre e mostrarmos que somos únicos exige bastante confiança.

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services