Le Mans. Longas horas a encantar!

A história da Porsche passa muito pelas 24 Horas de Le Mans. É uma história de sucesso feita por carros e pilotos fora de série. É esse romance que damos hoje a conhecer

A Porsche estreou-se em competições internacionais nas 24 Horas de Le Mans em 1951. Na altura, não havia boxes, pelo que a marca alemã montou a base de trabalho numa oficina a 16 quilómetros de Le Mans – foi aí que, durante 30 anos, preparou as suas inúmeras vitórias na maior corrida do mundo.

A presença da Porsche foi considerada uma afronta pela comunidade local: as feridas causadas pela ii Guerra Mundial, que terminara seis anos antes, estavam bem abertas. Com o passar dos anos, o clima de hostilidade deu lugar a laços de amizade e a jogos de interesses. Esquecida a ocupação nazi, eram os próprios habitantes da vila que arrendavam os seus quartos a mecânicos da Porsche!

Ao longo de seis décadas, a Porsche marcou presença em Le Mans com modelos espetaculares que ficaram para a eternidade, caso do 917 K, 935, 936 Spyder, 956 e 911 GT1.

Ao mesmo tempo que ganhava corridas, apresentava inovações técnicas que viriam, anos mais tarde, a ser introduzidas nos modelos de série, nomeadamente: carroçaria em alumínio, chassis monocoque em carbono, caixa de cinco velocidades, ABS, motor turbo, injeção direta e travões de disco em carbono e cerâmica.

A primeira vitória absoluta aconteceu em 1970 com o mítico 917 K, um dos melhores carros de competição de sempre, numa corrida que ficou célebre pela intensa luta entre sete carros da Porsche e 11 Ferraris 512 S. O motor de 12 cilindros opostos de 4,5 litros, com 580 cv, permitia “voar” até aos 395 km/h! Tinha chassis tubular, com gás pressurizado no interior para aumentar a resistência à torção e reduzir peso, e carroçaria em fibra de vidro. Nos treinos cronometrados mostrou o seu potencial ao fazer a volta mais rápida à média de 250 km/h, recorde que só viria a ser batido pelo Porsche 962 com 251,8 km/h, 15 anos depois. Apesar das várias tentativas da marca para recuperar o carro vencedor, este pertence a um colecionador americano que não abre mão da joia que tem.

O 917 K voltou a vencer esta clássica no ano seguinte com uma versão melhorada de 600 cv. No caminho da vitória estabeleceu um recorde de distância ao percorrer 5335 quilómetros (397 voltas), à média de 222,3 km/h, só batido em 2010 pela Audi com 5410 quilómetros.

Este modelo ficou igualmente famoso pelo filme “Le Mans”. A marca tentou inscrever um quarto carro para Steve McQueen e Jackie Stewart (campeão do mundo de Fórmula 1 em 1969), mas o desentendimento entre a seguradora e a organização das 24 Horas de Le Mans inviabilizou a participação da famosa dupla. O filme acabou por ser feito com imagens reais captadas pelo 908/2 de Brian Redman e Jo Siffert.

Com a mudança de regulamento, o 917 K foi afastado de Le Mans e foi correr na Can-Am Series. O modelo americano tinha turbocompressor e 1300 cv de potência! – ficou conhecido como Turbopanzer.

Em 1976, a Porsche participou com o 936 Spyder naquela que foi a primeira vitória de um motor turbo em Le Mans. Era o protótipo aberto mais veloz de sempre ao atingir 360 km/h! Tinha chassis tubular, carroçaria em fibra de carbono e alumínio e motor de seis cilindros opostos de 2,1 litros, com 540 cv. O carro regressou a Le Mans em 1981, com motor biturbo de 620 cv, e voltou a ganhar. Era uma versão soft do motor a etanol, com 800 cv, preparado pela Porsche para a Fórmula Indy (EUA).

Um dos carros mais espetaculares e potentes que passou por Le Mans foi o 935, versão de competição do 911 Turbo. Dominou as corridas de resistência nos anos 70, equipado com motor de seis cilindros opostos 3.0, com 590 cv. Venceu Le Mans em 1979, com uma equipa privada. A evolução sublime deste carro chamou-se “Moby Dick”. Surgiu em 1978 com chassis tubular em alumínio e capô alongado que escondia um motor biturbo com 845 cv, que permitia atingir 365 km/h. Era brutal ouvir este carro e assustador ver as labaredas a sair dos escapes. Apesar de todo o potencial, não ganhou em Le Mans, mas é um modelo mítico.

O aparecimento do Grupo C, em 1982, abriu portas ao 956/962, o protótipo mais ganhador das corridas de resistência. Na primeira participação ocupou os sete primeiros lugares da geral e no ano seguinte colocou nove carros no top-10. A Porsche até brincou com o feito numa campanha publicitária da época, dizendo que “ninguém é perfeito”.

Esta obra-prima de engenharia tinha motor de seis cilindros opostos 2.6 biturbo, desenvolvia 640 cv (800 cv na qualificação) e atingia 355 km/h. Foi o primeiro protótipo a aproveitar o efeito de solo, que tinha feito furor na Fórmula 1. Foi também ao volante do 956 que Ayrton Senna disputou os 1000 km de Nürburgring, em 1984, terminando em oitavo após uma paragem de 15 minutos nas boxes com um problema de embraiagem.

Em 1998, a Porsche volta à carga com o espetacular 911 GT1, com 536 cv. Não era o mais rápido, mas era mais fiável que os BMW e Mercedes, e isso valeu-lhe a vitória em Le Mans.

Contas feitas, a Porsche venceu 18 vezes a maior corrida do mundo. A competição foi fundamental para criar o mito.