Da ‘mentira’ de Centeno…

Manuela Ferreira Leite e a generalidade dos socialistas, comunistas e bloquistas têm dito que o caso da pretensa mentira de Mário Centeno sobre a CGD é um fait divers e só contribui para destruir o que resta da credibilidade da Caixa.

No caso de Ferreira Leite é uma opinião ingénua, e no do PS é uma opinião cínica.

É óbvio que esta questão já nada tem que ver com a Caixa.

A CGD está arrumada, dispõe de uma nova administração (liderada pelo ministro da Saúde do odiado Governo de Passos Coelho) e um plano de capitalização aprovado.

Esta questão, agora, já não é uma questão bancária mas uma questão política, envolvendo o ministro das Finanças, o primeiro-ministro e o Presidente da República.

E ainda o PS, o BE e o PCP que, ao bloquearem a comissão de inquérito, se opuseram objetivamente à descoberta da verdade.

O problema da declaração de rendimentos de António Domingues envolve, portanto, as mais altas figuras do Estado (até o presidente da Assembleia é citado, por causa da dita comissão de inquérito) e os três partidos que sustentam o Governo.

São todos suspeitos de cumplicidade numa eventual mentira.

Ora, isto não tem importância nenhuma?

Claro que, em termos financeiros, a capitalização da CGD é muito mais importante do que as eventuais mentiras de altos responsáveis. 

Mas, em termos éticos, é a credibilidade do Estado e de todos os partidos que compõem a atual maioria que está em causa.

Aliás, quem percebe alguma coisa de política sabe que a importância dos temas não se mede pela sua relevância ‘substantiva’. 

O facto de Miguel Relvas; por exemplo, ser ou não licenciado tinha alguma relevância para o país, ainda por cima sob resgate externo? 

E isso não impediu que fosse perseguido por multidões onde quer que aparecesse, sendo obrigado a demitir-se.

E o episódio que mais marcou negativamente a presidência de Clinton, levando-o à beira do impeachment, foi a relação com Monica Lewinsky.

Ora, que importância tinha este assunto perante a magnitude dos problemas da América? 

Há ainda outra questão de que quase ninguém falou: por que razão António Domingues e alguns dos seus colegas puseram como condição não entregarem a declaração de rendimentos para aceitarem os lugares na Caixa?

É importante perceber isso.

Das duas, uma: ou tratou-se de uma birra ou queriam esconder alguma coisa.

O quê, não se sabe.

Não serão ilicitudes, com certeza, mas poderão ser incompatibilidades entre o seu património e as condições necessárias para o exercício de lugares públicos. 

E isto não interessava nada? 

Devia-se ter passado por cima desse ‘pormenor’?

E não interessa saber quem tentou iludir essa questão e porquê?

Imagine-se o que diriam António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa se isto se tivesse passado no tempo do anterior Governo.

Julgo, entretanto, que a direita comete um erro se forçar a saída de Mário Centeno.

Ele é hoje uma peça fraca – e para a oposição será excelente ter no Ministério das Finanças um homem fragilizado e com pouco crédito. 

… À verdade de Galamba

Nunca percebi por que razão António Costa escolheu João Galamba para porta-voz do PS.

É verdade que se trata de um homem combativo.

Mas é combativo demais.

E, além de ter um discurso radical, tem uma postura radical.

Ora, sendo este Governo suportado por dois partidos de extrema-esquerda, era natural que, para compensar esse extremismo, o PS escolhesse para porta-voz uma figura moderada, que suavizasse a imagem da ‘geringonça’.

Mas não: escolheu um militante que poderia perfeitamente estar nas fileiras do Bloco de Esquerda.

E, assim, a ‘geringonça’ tem hoje como figuras emblemáticas João Galamba, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa.

Convenhamos que é um pouco pesado demais…

Com as suas características, Galamba estaria sempre na iminência de fazer ou dizer alguma coisa menos conveniente para o Governo.

Seria apenas uma questão de tempo.  

Ora, isso aconteceu na semana passada: «Tudo aquilo de que é acusado Mário Centeno pode Marcelo Rebelo de Sousa, ipsis verbis, ser acusado», disse ele no canal Q.

Rapidamente chamado à pedra pelo partido, apressou-se a emendar: «O que eu disse foi que (…) nem o senhor ministro das Finanças nem o Presidente estão implicados em nada».

Sucede que, ao fazer esta insólita ‘retificação’, Galamba esqueceu-se de parte do que dissera na outra: «O Presidente da República está profundamente implicado nisto. O que ele tentou fazer na segunda-feira, político hábil como é, foi tentar demarcar-se e desresponsabilizar-se de algo que é responsabilidade sua».

Em que ficamos: houve «responsabilidade» de Marcelo, como Galamba afirmou na primeira declaração, ou Marcelo não estava «implicado em nada», como disse na segunda? 

Estas afirmações de João Galamba foram terríveis para o Governo, pois tratou-se da primeira vez que um dirigente socialista atacou frontalmente o Presidente da República.

Galamba veio dizer alto o que muitos socialistas pensam mas não queriam verbalizar, por razões táticas.

Nenhum socialista com um mínimo de cabeça acredita que Marcelo Rebelo de Sousa apoia convictamente a ‘geringonça’.

Marcelo fá-lo porque quer ter o máximo de popularidade e porque detesta Passos Coelho.

Mas quando deixar de lhe dar jeito, deixa o Governo cair.

Ora, a declaração de Galamba teve o mérito de pôr às claras o que estava escondido. 

António Costa pretendia prolongar o mais possível o mito de que o Presidente da República apoia convictamente o Governo e que este lhe retribui a estima – mas a declaração de Galamba veio estragar-lhe as contas.

Veio pôr a farsa a nu.

Mas a culpa é do PS.

Quem lhe manda ter um porta-voz que parece saído das catacumbas da Revolução Francesa, qual Robespierre de trazer por casa? 

Os ‘bons números’ do Governo

Foi muito bom este Governo ter-se empenhado na redução drástica do défice público.

E ter conseguido seduzir a esquerda para essa cruzada – a mesma esquerda que, há dois anos, atacava Passos Coelho por estar «obcecado com o défice».

Felizmente, o PCP e o BE (para não falar do PS) mudaram de opinião, e isso é importantíssimo para a imagem externa de Portugal.

O défice de 2,1% foi muito bom.

Foi até ‘bom de mais’. 

Não era preciso tanto.

As voltas que a política dá: os socialistas que enchiam a boca a zurzir naqueles que iam «além da troika» – o que nunca foi verdade, pois Portugal ficou sempre ‘aquém da troika’ – acabaram por ir além do que pedia a Comissão Europeia.

Parabéns!

Mas como se chegou a este resultado histórico?

Por volta do mês de abril, o Governo apanhou um grande susto quando percebeu que as coisas estavam a correr mal e era necessário rever em baixa o crescimento do PIB.

Sucede que a queda do PIB fazia automaticamente aumentar o défice.

Então, Mário Centeno, empurrado por António Costa – para quem o cumprimento do défice público era decisivo para credibilizar esta solução política -, lançou mão de tudo o que podia para ficar abaixo dos 3%. 

Impôs aos ministérios cativações de verbas draconianas, inventou o perdão fiscal, manteve os cortes drásticos no investimento público, etc.

Para não correr o risco de errar, cortou tanto e arrecadou tanto que acabou por ser mais papista que o Papa.

Mas conseguiu cumprir.

Parabéns, mais uma vez!

Outro número que o Governo apresenta como grande bandeira é o crescimento.

O Governo começou por prever números altíssimos (2,4%), depois por pressão de Bruxelas baixou para 1,8%, e em abril desceu ainda mais para 1,2%.

Como sabemos, acabou por ficar em 1,4%.

Não se tratou de um grande feito, até tendo em conta que em 2015 foi 1,6% (e António Costa achou pouco, propondo-se fazer muito melhor).

A que se deve então esta euforia?

Deve-se a que, como as expectativas chegaram a ser catastróficas, foi um grande alívio!

Mas há outra razão para o Governo se sentir satisfeito.

É que em 2015 o crescimento do PIB veio a cair; e em 2016, embora seja mais baixo, foi em crescendo.

Ou seja, a trajetória foi melhor.

Isto é positivo, mas para sermos sérios temos de ver o seguinte: em 2015 o país vinha de uma depressão, ao ponto de Cavaco  Silva falar de uma «espiral recessiva», e estava a tentar inverter a situação.

Por outro lado, a segunda metade do ano foi muito prejudicada pelas eleições legislativas, em outubro, e pela constituição da ‘geringonça’ e consequente turbulência que esteve na sua origem.

Tudo isto fez cair imenso a atividade económica. 

Portanto, se o país tivesse seguido a trajetória percorrida na primeira metade de 2015, sem grandes perturbações políticas, hoje estaríamos com um crescimento bastante acima do atual. 

Entretanto, há outro dado positivo desta governação: a queda do desemprego.

O Executivo conseguiu manter a tendência decrescente que vinha de trás.

Ótimo!

Mas, segundo todas as instituições internacionais, isto deveu-se em boa parte à reforma das leis laborais feita durante o período da troika.

Ironicamente, o Governo de esquerda está a beneficiar das medidas tomadas pelo Governo de direita que impôs a austeridade e levou a cabo algumas reformas.

Estas foram as ‘boas notícias’. Porque, tirando o défice e o desemprego,  todos os outros números pioram. 

A dívida pública continuou a crescer, até a um ritmo superior (pois em 2015 tinha caído).

Os juros subiram imenso, depois de em 2015 terem atingido mínimos históricos.

O desequilíbrio da balança comercial também se acentuou, com a queda das exportações e o aumento das importações, agravando a nossa dívida externa e a dependência do exterior (e aqui deu-se igualmente uma inversão, pois em 2015 chegámos a ter superavit, o que não acontecia há décadas).

O investimento nacional e estrangeiro caiu imenso, recuando muitos anos.

Concluindo, não é tempo de deitar foguetes mas sim de esperar para ver.

Esperar para ver se o défice se mantém, o que é difícil tantas foram as medidas extraordinárias.

Esperar para ver se o crescimento se mantém, porque o turismo não cresce indefinidamente e ele foi o grande motor do aumento das exportações no segundo semestre.

Esperar para ver se a balança comercial não se desequilibra ainda mais.

Esperar para ver se os juros descem (caso contrário não nos adianta pagar ao FMI, pois para isso temos de comprar dinheiro a juros mais altos). 

Esperar para ver se o investimento recupera.

Esperar para ver se o desemprego continua a cair (o que só acontecerá se as reformas laborais não forem revertidas pela pressão do PCP e do BE).

Há muitas interrogações.

Demasiadas, para a euforia que tomou conta dos socialistas – e da esquerda em geral -, a fazer lembrar tempos não muito longínquos que acabaram muito mal.

P.S. – A inventona das offshores

Na véspera do debate parlamentar sobre a CGD, ‘alguém’ colocou nos media uma oportuna noticia segundo a qual 10 mil milhões de euros voaram de Portugal e foram colocados em offshores durante o tempo do anterior Governo. Escândalo! Malandros! Andavam a espremer o pobre povo e deixavam os ricaços colocar milhares de milhões lá fora! Mas afinal, o que se passou? Passou-se que cidadãos e empresas terão colocado lá fora nesse período 10 mil milhões. Mas fizeram-no legalmente e declararam-no: caso contrário, não se conheceria este montante. E, se o declararam, em princípio pagaram impostos por isso. É este o escândalo. Que foi aproveitado pelo primeiro-ministro para atacar a oposição e fugir ao debate sobre a Caixa (que se recusa a divulgar a quem emprestou dinheiro que não conseguiu cobrar…). Mas há mais: a ‘notícia’ tinha quase um ano, já tendo saído no Público em abril de 2016. Este tempo parece-se cada vez mais com o de Sócrates. Os métodos são os mesmos.