Donald Trump experimenta um novo tom: a moderação

Nunca o novo presidente ofereceu um discurso tão alinhado com o eixo tradicional republicano. Discursando ao Congresso e ao país, Trump tentou a reconciliação e fugiu do confronto. 

O presidente norte-americano calibrou o habitual tom do seu governo ao discursar pela primeira vez aos congressistas e ao país, na noite de terça-feira, demonstrando à maioria republicana que é capaz de alinhar a mensagem pelos seus temas-chave e enterrando – por agora – os receios de um cisma entre o partido e o seu líder.

Donald Trump ofereceu a imagem mais próxima de um tradicional líder político ou presidente americano desde que anunciou a sua candidatura, em junho de 2015. Nisto, as análises são consensuais: onde existiu até agora confronto, houve alguma reconciliação; onde existia catástrofe, existiu otimismo; onde gritava em confusão, viu-se um discurso ensaiado.

“Somos um povo com um só destino”, disse. “O período do pensar em tamanho pequeno acabou. O tempo para as lutas triviais fica para trás. Precisamos apenas da coragem para partilhar os sonhos que nos preenchem os corações”, afirmou, para aplausos da bancada republicana – que interrompeu Trump dezenas de vezes para o fazer.

Trump, o mais indesejado e impopular presidente em início de mandato de que há registo em sondagens, defendeu o seu primeiro mês na Casa Branca, marcado por sucessivas polémicas, políticas falhadas, lutas internas e suspeitas, sobretudo no que diz respeito às suas ligações com o governo russo de Vladimir Putin – o seu conselheiro para a Segurança Nacional demitiu-se ao fim de 24 dias.

“Não é falta de compaixão, mas, em vez disso, seria irresponsável permitir a entrada a pessoas de países onde não pode ocorrer uma avaliação própria”, disse Trump sobre a sua ordem – entretanto suspensa pelos tribunais – que proíbe a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, interrompendo também o acolhimento de refugiados.

O presidente insistiu em praticamente todos os pontos-chave do Partido Republicano, como, por exemplo, prometer o fim e a substituição do programa de saúde de Barack Obama, um aumento na despesa para o Pentágono, e, respondendo a apelos de semanas, condenando o crescimento em atos de violência antissemita em várias cidades.

Os tons mais tradicionais dos seus discursos de campanha, porém, não desapareceram por completo. Trump falou ao longo de vários minutos – em termos proféticos – do “movimento” que diz ter criado com a sua candidatura, referiu o aumento do crime nos Estados Unidos – embora as estatísticas o contrariem – e, embora admitindo que os muçulmanos são também vítimas de ataques no Médio Oriente e Europa, insistiu novamente no termo “terrorismo islâmico radical”, um chavão preferido por republicanos e conservadores, mas ao qual democratas e liberais resistem, entendendo que ele criminaliza uma religião.  

O novo presidente fez também a defesa da sua abordagem isolacionista, ao prometer combater as últimas décadas de políticas americanas, falando da posição global dos Estados Unidos no pós-Guerra-Fria. "O meu trabalho não é representar o mundo, o meu trabalho é representar os Estados Unidos", afirmou. 

Para além da dúvida sobre se o discurso no Congresso representa apenas uma alteração momentânea no tom da nova presidência americana, ou se, por outro lado, demonstra uma mudança mais permanente na abordagem da Casa Branca, Donald Trump levantou mais uma dúvida na terça-feira, esta em torno da sua política de imigração.

Horas antes do se dirigir para o Congresso, Trump disse a jornalistas na Casa Branca que está disposto a aceitar uma reforma na lei da imigração americana que possa oferecer cidadania americana a milhões de imigrantes sem documentos que estão no país há vários anos e que ao longo desse tempo não cometeram crimes graves. A medida, apoiada por liberais e alguns conservadores, seria um desvio substancial das suas promessas de campanha.

Trump não esclareceu a sua posição no discurso da noite de terça-feira – como também não regressou ao cântico de “vamos construir o muro”. Em vez disso, o presidente disse acreditar numa “reforma real e positiva na imigração”, desde que, afirmou, “nos concentremos em vários objetivos: melhorar postos de trabalho e salários para os americanos, fortalecer a segurança do nosso país e restabelecer o respeito pelas nossas leis”.