O álibi de Sócrates

Toda a defesa de José Sócrates assenta num único ponto: o dinheiro existente nas contas em nome de Carlos Santos Silva, de que Sócrates se servia, era mesmo de Santos Silva e não dele.

Se o juiz aceitar esta ideia, toda a acusação cai pela base; se não aceitar – e considerar que o dinheiro pertencia efetivamente a José Sócrates -, os factos encaixam-se que nem uma luva e Sócrates será inapelavelmente condenado.

Mas atenção: caso Sócrates se salve, então todas as suspeitas passarão a recair sobre Carlos Santos Silva, que terá de explicar o porquê das somas gigantescas que recebeu sem justificação aparente.

E de muitos negócios que fez sem nexo visível.

Vamos por partes. Se as contas bancárias forem mesmo de Sócrates, percebe-se que tenha recebido (a par de Armando Vara) um milhão de euros por conta de Vale do Lobo, pois houve influências políticas que favoreceram este empreendimento; mas se as contas forem de Carlos Santos Silva, por que carga de água recebeu dinheiro de um empreendimento a que não estava ligado?

Se as contas bancárias forem mesmo de Sócrates, percebe-se que o Grupo Lena lhe tenha pago 2,8 milhões de euros em comissões de obras atribuídas pelo Estado a esse grupo sem concurso; mas se as contas forem de Carlos Santos Silva, como vai este explicar uma soma tão elevada por eventuais trabalhos feitos para o grupo? Que especial trabalho desenvolveu para receber tamanha quantia? E onde estão as respetivas faturas?

Se as contas bancárias forem mesmo de Sócrates, percebe-se que tenha recebido 29 milhões de euros pelos fabulosos negócios da PT (pagos em três tranches), pois como primeiro-ministro condicionou decisivamente esses negócios em vários momentos; mas se as contas forem de Carlos Santos Silva, como justificará ter recebido tais valores (através de Helder Bataglia, que ainda por cima disse não conhecer)?

Agora vamos aos pagamentos. Se as contas bancárias forem mesmo de Sócrates, percebe-se que delas tenha saído o dinheiro para a compra do apartamento em Paris destinado a ser usado pelo próprio Sócrates, pela ex-mulher e pelo filho (que chegou a queixar-se ao pai por a casa nunca mais estar pronta). 

Mas se o dinheiro for de Carlos Santos Silva, como se percebe que tenha sido usado para comprar um apartamento em Paris que não se destinava a ser utilizado por ele? E como entender que os respetivos acabamentos tenham sido escolhidos por Sócrates e por Sofia Fava?

Se as contas bancárias forem mesmo de Sócrates, percebe-se que tenham servido para comprar uma quinta no Alentejo que se destinava à sua ex-mulher (que continuava a ajudá-lo na resolução de muitos problemas).

Mas se o dinheiro for de Carlos Santos Silva, por que razão seria utilizado para comprar uma quinta onde ele nunca foi e se destinava em exclusivo à ex-mulher de Sócrates?

Se as contas bancárias forem mesmo de Sócrates, percebe-se que de lá tenha saído o dinheiro usado para comprar milhares de exemplares do livro A Confiança no Mundo, no sentido de o colocar nos tops.

Mas se o dinheiro for de Carlos Santos Silva, já não se percebe tão bem o dispêndio de centenas de milhares de euros para promover o livro.

Se as contas bancárias forem mesmo de Sócrates, percebe-se que tenham servido para pagar as contas do funeral do irmão.

Mas se o dinheiro for de Carlos Santos Silva, não se percebe a sua utilização para pagar essas despesas.

Se as contas bancárias forem mesmo de Sócrates, percebe-se que delas tenham saído os pagamentos de férias que ele fez com namoradas em sítios luxuosos.

Mas se o dinheiro for de Carlos Santos Silva, já se percebe menos bem por que razão serviu para pagar essas extravagâncias. 

Poderia continuar a dar exemplos, mas estes chegam para mostrar que, se o dinheiro for de Sócrates, tudo faz sentido; mas se for de Santos Silva, nada se compreende.

Há um ditado que diz ‘gato escondido com o rabo de fora’.

Mas, aqui, o gato está todo à vista. 

Só já não o vê quem não quer ver.

Termino com uma pergunta: a quem pertence o dinheiro existente numa conta bancária – ao seu titular nominal ou a quem o gasta livremente e em seu proveito próprio?

Em princípio, o dinheiro pertence a quem o gasta sem pedir autorização a ninguém.

Mas se o entendimento do juiz for o contrário, então Carlos Santos Silva vai ter – como foi dito – muito que explicar ao tribunal.

E tornar-se-á a figura central deste caso, porque o facto de receber tantos milhões de entidades como o BES, com as quais não tinha relações, levanta todo o género de suspeitas. 

Houve, aliás, uma tentativa de Santos Silva de justificar com a venda de umas salinas em Angola alguns milhões recebidos. 

Mas, como Felícia Cabrita desmontou aqui no SOL, tratou-se de um falso negócio.