Lisboa. A geração sub-40 de candidatos à Câmara

Um é engenheiro, o outro cientista. Um é fã da frente ribeirinha, o outro da poesia de “Lisboa Menina e Moça”. João Ferreira, da CDU, e Ricardo Robles, do Bloco de Esquerda, são os candidatos mais à esquerda à Câmara Municipal de Lisboa. Uma nova geração que sonha – e quer – uma cidade mais…

Muito mais é o que nos une, que aquilo que nos separa, lá cantava Rui Veloso. Não podemos aplicar a mesma fórmula redonda às propostas dos candidatos à esquerda na corrida à Câmara Municipal de Lisboa (CML). Mas podemos afirmar que, noutros campos, Ricardo Robles, do Bloco de Esquerda, e João Ferreira, candidato pela CDU à presidência da autarquia da capital nas próximas autárquicas, têm muitas afinidades. São ambos jovens – Robles tem 39 anos, João Ferreira 38 -, e já desempenham funções na autarquia. E, ponhamos a coisa deste modo, se o Canadá tem Justin Trudeau, por cá agora temos João Ferreira e Ricardo Robles. 

Um Cartão do Cidadão a assinalar menos de 40 anos não significa, porém, que sejam rookies nestas andanças. João Ferreira é eurodeputado desde 2009. E já em 2013, encabeçou a lista da CDU para a CML. Conseguiu 9,85% dos votos e, assim, a eleição de dois vereadores. Desde então, concilia a vida entre Lisboa e Bruxelas. Caso bata Medina, já afirmou que deixará o cargo no Parlamento Europeu. Uma experiência que descreveu ao B.I. como “exigente e gratificante”. “Diria que tem havido uma relação de benefício na acumulação, em que a experiência adquirida num cargo se revela proveitosa no exercício do outro e vice-versa”.

Já Ricardo Robles é deputado municipal pelo Bloco. Membro fundador do partido, é dirigente da organização na concelhia de Lisboa desde 2005. Formou-se em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico (IST) e é especialista em eficiência energética. Ainda no IST, foi ativista contra a praxe e as propinas.

Uma formação profissional que denota preocupações com a sustentabilidade parece ser também outro ponto em comum dos candidatos. É que João Ferreira, biólogo, é doutorado em Ecologia. Ainda estudante, o eurodeputado fundou e presidiu à Associação de Bolseiros de Investigação Científica. Já ganhou, pelo menos, duas bolsas de investigação: uma no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa e outra no Museu, Laboratório e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa.

Um cientista, um engenheiro. E uma preocupação comum: os transportes públicos.

Habitação e transportes públicos

Uma das bandeiras da CDU nestas autárquicas é, efetivamente, a crise nos transportes públicos. E é justamente desta forma que João Ferreira se costuma deslocar quando está em Lisboa. “As intermináveis esperas nas paragens de autocarro e as viagens de metro em modo sardinha em lata correspondem a uma realidade que não me é nada estranha”, disse ao B.I. 

Para o candidato, nesta matéria, há dois grandes problemas que urgem ser resolvidos: “a qualidade e o preço dos transportes públicos”. João Ferreira diz que falta, em Lisboa, uma “visão integrada à escala metropolitana, dos diferentes modos de transporte”. Por isso, o vereador acredita que o problema é ultrapassável caso se baixem os preços, o que iria atrair mais passageiros. Mas também é preciso promover a intermodalidade “na expansão das redes de cobertura e interfaces, promovendo uma bilhética única, social e integrada com os diversos modos de transporte e seu parqueamento”.

Também Robles partilha esta preocupação. A pergunta do B.I. pediu uma resposta curta: quais são, em suma, os principais problemas da cidade?

“Habitação e transportes, não posso ser mais sintético que isto”, correspondeu Ricardo Robles. “São os problemas que as duas maiorias absolutas do PS não conseguiram resolver. Não só não conseguiram resolver como o problema agravou-se”, acusa.

O candidato do Bloco vê com bons olhos a municipalização da Carris, processo apoiado desde o início pelo Bloco de Esquerda. “Quando houve a sombra da concessão a privados fomos os primeiros a interpor uma ação legal contra esse processo”, lembra Ricardo Robles. 

As políticas da habitação pública da autarquia dos últimos anos também merecem a atenção do candidato. Para o bloquista, a atuação da câmara tem sido “totalmente insuficiente”. E dá o exemplo do programa da renda convencionada – que disponibiliza casas da autarquia a preços muito abaixo do mercado privado. “É um programa muito bem intencionado, mas esta 13.ª edição, que está a decorrer, tem dez apartamentos disponíveis. E a procura anda na ordem dos milhares de pessoas. Isto é tentar apagar um incêndio florestal com baldes de água”. 

Outra das críticas que Ricardo Robles faz ao executivo de Medina prende-se com a gentrificação da cidade e, novamente, a política de habitação. “Uma cidade como Lisboa não se pode reduzir a uma montra para turistas que expulsa os habitantes. Não é possível repovoar o centro de Lisboa quando a esmagadora maioria das intervenções de reabilitação urbana é para hotéis de luxo ou premeia a especulação imobiliária, o que agrava o valor das rendas”, disse em entrevista à Esquerda.net.

Sobre o tema, João Ferreira é assertivo ao afirmar que a CDU não “diaboliza o turismo”. O peso do setor é importante, mas há um grande senão. “O problema é a progressiva erosão da base económica de desenvolvimento da cidade. É necessário, pelo contrário, diversificá-la, valorizando a esfera produtiva, os serviços, a ciência e tecnologia, a investigação e desenvolvimento, a cultura e as artes, o emprego qualificado associado aos serviços públicos”, propõe o eurodeputado para equilibrar a balança. A preservação do que é mais genuíno na cidade reflete-se também na resposta cantada – para a qual foi buscar influência à “Lisboa Menina e Moça” de Carlos do Carmo – que deu ao B.I. sobre o seu sítio preferido em Lisboa. “O Castelo, para pôr o cotovelo. Alfama, para descansar o olhar. A Ribeira, para encostar a cabeça. O Terreiro, para passar. A Graça, para a ver nua. O Bairro Alto, o do sonho. A Ameixoeira e o Lumiar, dos muitos anos”.

Já Ricardo Robles prefere deixar a poesia para a paisagem. “A frente de rio é uma das zonas que gosto mais, é a cidade virada para o rio”.

PSD vai estragar a média?

A lista de candidatos à câmara de Lisboa é a mais jovem de sempre. A centrista Assunção Cristas tem 42 anos. O atual presidente e candidato socialista Fernando Medina soma mais um: 43. João Ferreira e Ricardo Robles, como já referimos, têm, respetivamente, 38 e 39 anos. A média? 40 anos e meio. “É um sinal muito positivo e de mudança, de gente que quer intervir na cidade”, considera Ricardo Robles. “Mas ainda falta conhecer um candidato”, relembra. O suspense social-democrata continua.