Iñaki Piñuel. “Um psicopata é uma pessoa encantadora, não um Hannibal”

Escreveu um livro sobre psicopatas depois de anos a acompanhar as vítimas. No livro “Amor Zero” lança o alerta: há mais psicopatas do que se julga e estão normalmente em cargos de chefia

Não são fáceis de detetar, até porque a personalidade aparentemente encantadora não deixa adivinhar uma mente perversa e capaz de tudo para manipular o outro. Mas a verdade é que eles andam aí, os psicopatas. No livro “Amor Zero”, Iñaki Piñuel cria uma espécie de guia para ajudar a identificar estas personagens, que descreve como sendo “manipuladoras, narcisistas e incapazes de sentir pena ou remorso”. Depois de mais de 25 anos a acompanhar vítimas de relações com psicopatas, o investigador e psicoterapeuta não tem dúvidas: para um “Amor Zero”, só há uma solução, o afastamento total ou, como lhe chama, “contacto zero”.

Depois de 25 anos a lidar com vítimas de psicopatas, este livro passou a ser uma necessidade sua?

Não é uma necessidade minha, é uma necessidade das centenas de pessoas que tenho atendido nos últimos anos.

É um fenómeno crescente?

A verdade é que sempre existiu. O que acontece é que temos atualmente uma sociedade cada vez mais narcisista, egoísta, indiferente, com pessoas frias e sem emoções. São aquilo a que chamamos narcisistas extremos ou narcisistas malignos, que com o tempo se transformam em psicopatas integrados, ou seja, aqueles que, apesar destas características, vivem em sociedade. Quando começam uma relação, são causadores de uma destruição terrível.

É fácil identificá-los?

Não, até porque normalmente são pessoas encantadoras, aparentemente normais, com uma imagem pública excelente. Nada indica que, por detrás dessa máscara, escondam personalidades tão destrutivas.

Têm características em comum?

São pessoas sem emoções, frias, manipuladoras e chantagistas. Pessoas que sabem como fazer com os outros façam o que eles querem.

E essas características são fáceis de serem identificadas logo no primeiro contacto?

De todo. Normalmente, estas pessoas mostram uma fachada que mais não é do que a cópia das características da vítima, para dar a sensação ao outro de que encontrou a sua alma gémea.

São pessoas ditas normais, com trabalho, família?

Sim, têm tudo isso, trabalho, família. Muitas vezes, esta personalidade maligna só aparece numa relação de casal, na qual seduz a vítima através de um jogo de manipulação.

Mas para conseguirem manter esse jogo têm de ser pessoas inteligentes…

Não são mais inteligentes que os outros, são é supermanipuladores. Como não têm moral nem consciência, são muito eficazes na hora de manipular porque não sentem medo nem remorsos.

Quem é psicopata sabe que o é?

Não têm como saber que o são. Mas sabem que estão a manipular, que têm formas de fazer dos outros o que quiserem. Sabem que têm esta capacidade de alterar os outros.

No dia-a-dia, que sinais podem dar?

É muito difícil saber que se está perante um psicopata, até mesmo para um psicólogo, quanto mais para uma pessoa comum, sem informação técnica. O que vemos é uma pessoa encantadora, não é o Hannibal d’“O Silêncio dos Inocentes”. Na primeira parte de uma relação amorosa é uma pessoa carinhosa, dedicada, faz quase um bombardeamento de amor. Tudo isto serve apenas para despistar a vítima, que passa a acreditar que encontrou a sua alma gémea. Mas esta pessoa não existe, o que existe é uma construção fictícia de uma personalidade que ajuda o psicopata a manipular a vítima de um modo eficaz.

Tudo o que faz é calculado?

Exatamente. Tudo é um take, como num filme. São pessoas pouco autênticas, com personalidades construídas. O problema é que, quando a vítima se dá conta, já é demasiado tarde e já está completamente encantada. As vítimas descrevem a sensação como se estivessem hipnotizadas.

É como a síndrome de Estocolmo, na qual a vítima cria empatia com o agressor?

Sim, à medida que a relação avança, as vítimas sentem-se como súbditos do outro. Sabem que estão a ser manipuladas e enganadas, mas não conseguem sair da relação por causa do potentíssimo vínculo de sedução que é criado. Muitas das vítimas, depois de conseguirem sair de uma relação deste género, apresentam sinais de stresse pós-traumático, semelhante a quem foi violado ou torturado. 

Mas costuma haver violência física neste tipo de relação?

Normalmente, não. Os psicopatas não têm essa necessidade porque conseguem manipular a vítima sem lhe tocar sequer. As vítimas ficam anuladas e, mesmo sabendo que estão perante um agressor, precisam de ajuda psicológica para sair da relação.

Como deve agir a vítima assim que se apercebe que mantém uma relação com um psicopata?

A única forma de não ficar completamente destruído por um psicopata é não ter relação. É por isso que recomendo a técnica do contacto zero. Uma vez que a pessoa se aperceba que está numa relação de amor zero, título que dei ao livro, tem de praticar o contacto zero. Não como vingança, não para castigar, mas sim porque esse jogo perverso do psicopata tem sempre como objetivo final a destruição da vítima.

Que pequenas coisas podem ser sinais dessa manipulação?

A principal técnica usada pelos psicopatas é colocarem-se no papel de vítimas das suas vítimas. Outra das técnicas é a triangulação, ou seja, provocar ciúmes à vítima com terceiras pessoas para provocar insegurança e aumentar a atenção recebida. São também mentirosos compulsivos, usam mentiras para tapar mentiras anteriores. Além disso, fazem tudo para criar uma imagem pública sem falhas, para que seja difícil às vítimas provar que vivem com um psicopata.

Há pessoas mais suscetíveis de serem vítimas?

Sim, normalmente vêm de famílias disfuncionais ou com traumas do passado, como alcoolismo, violência, infâncias infelizes. São pessoas mais vulneráveis à sedução e às promessas feitas pelos companheiros, que assim se apresentam como uma espécie de salvadores, a pessoa que vai finalmente acabar com toda uma dor do passado. É por isso que as pessoas que tenham sofrido traumas infantis são mais vulneráveis a tudo o que é a sedução psicopata.

Os psicopatas são também eles ex-vítimas de algum trauma?

Não. Os psicopatas apresentam-se é como vítimas do mundo inteiro mas, na verdade, são eles os manipuladores. Muitas vezes inventam infâncias infelizes e traumas do passado para provocarem pena. Chamamos a isto jogo da piedade, que mais não é que tentar induzir piedade ou compaixão na vítima para dar a ideia de que estão numa relação com alguém que precisa de amor, carinho e atenção.

São características que surgem desde criança?

Às vezes, sim. A psicopatia normalmente é identificada no final da adolescência, mas também existem crianças psicopatas.

Há tratamento?

A má notícia é essa: não há tratamento. Estas pessoas não mudam, mudam apenas de vítima. Em média, um psicopata pode ter entre 60 e 70 vítimas durante a sua vida. No caso dos psicopatas, a terapia funciona ao contrário, não só não se curam como aproveitam para aprender novos truques.

Mas podem ser acompanhados por psicólogos ou psiquiatras?

Podem fazer terapia, mas a verdade é que eles não procuram uma cura e o mais provável é que tentem manipular o psicólogo também.

Há mais psicopatas do que se pensa?

Sim. Dois por cento da população são psicopatas puros, mas chega-se aos dez por cento quando se fala em psicopatas integrados.

Qual é a diferença entre os dois?

Os puros têm as seis características que as normas internacionais assumem como as de um psicopata: mentira compulsiva, incapacidade de sentir empatia, ausência de emoções, estilo de vida parasitário, capacidade de manipular os outros para que façam o que querem e ausência de remorsos ou pena. Quando não chegam a todas as características são identificados como psicopatas integrados e normalizados.

São muitos os que acabam na prisão?

Não, a maioria, diria até 95%, não estão na prisão, estão na rua, nas organizações públicas, nas empresas, nos partidos políticos, nos sindicatos. Até porque se há algo que motiva um psicopata é o poder.

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