Diabetes. Proibição de brinquedos e bonecos em alimentos nocivos ficou na gaveta

Denúncia é feita pelo Observatório Nacional da Diabetes, que hoje divulga novo balanço. Epidemia continua a alastrar: há sete novos casos por hora 

Portugal não está a conseguir travar a “epidemia” da diabetes. O alerta é feito pelo Observatório Nacional da Diabetes (OND), que hoje divulga novos dados sobre a doença no país. Em 2015 registaram-se 168 novos casos por dia, sete por hora, mais 20 do que no ano anterior. A incidência nacional tornou a aumentar, aproximando-se dos valores recorde registados em 2011.

José Manuel Boavida, presidente do conselho científico do OND, sublinha que o acesso a tratamentos no país tem melhorado, mas a prevenção continua a falhar. E dá como exemplo um projeto de resolução aprovado no parlamento no final da última legislatura, em que os deputados pediam a proibição da oferta de brindes e brinquedos em alimentos ou bebidas pobres em nutrientes e com elevado teor de açúcar, de gorduras saturadas ou de sal, assim como o fim da utilização de personagens e celebridades infantis na sua publicidade, que também deveria ser restrita. 

Boavida defende que o fim do recurso a “super-heróis” na promoção de produtos nocivos como cereais ou bolachas com excesso de açúcar é um dos passos que importa dar na prevenção, em particular junto das crianças. Mas não é o único. “Algo que defendemos é que a Secretaria de Estado da Alimentação deixe de estar sob a alçada do Ministério do Ambiente para passar para o Ministério da Saúde”, diz o responsável, que considera premente maior regulação dos produtos à venda no país. “É um erro confiar na autorregulação da indústria. Sabemos que a indústria só se regula e revê teores por pressão da sociedade”, diz José Manuel Boavida, para quem o novo imposto sobre o açúcar introduzido este ano pelo governo é uma medida insuficiente. “Dá um ou dois cêntimos de imposto por lata, quando noutros países se tem ido mais longe e, em alguns casos, proibiu-se a venda de bebidas em embalagens com mais de dois decilitros.”

Em julho de 2015, a resolução da Assembleia que pedia maior controlo dos produtos destinados às crianças recomendava também o reforço do rastreio e das consultas multidisciplinares, maior rapidez no acompanhamento de casos de pé diabético, maior comparticipação de estatinas e reforço da informação nas escolas. O diploma, da autoria conjunta do PSD e CDS, foi aprovado por unanimidade no parlamento. 

Já nesta legislatura deram entrada na Assembleia da República cinco projetos de resolução para o reforço das medidas de combate à doença e melhoria das respostas públicas, na senda do Dia Mundial da Saúde de 2016, que em abril do ano passado foi dedicado à diabetes. Os projetos foram apreciados em conjunto e aprovados em maio do ano passado. 

Os deputados pediam ao governo que passasse a identificar de “forma sistemática” as pessoas potencialmente diabéticas ou pré-diabéticas acima dos 40 anos, encaminhando-as através dos centros de saúde para programas de educação específicos. Apelava-se também a um maior envolvimento das autarquias e uma quantificação dos custos associados à doença.

Entretanto, o PSD apresentou um novo projeto de resolução para que o SNS estabeleça um acordo de cooperação com a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), com orçamento definido, que faz consultas a doentes, isto numa altura em que o acordo bianual estava prestes a terminar. O PSD defende acordos válidos por cinco anos, para garantir maior previsibilidade e estabilidade à associação, iniciativa que fonte do grupo parlamentar adiantou que será reforçada nos próximos dias. 

De acordo com o relatório do Observatório Nacional da Diabetes, a que o i teve acesso, atualmente, 40,7% da população portuguesa entre os 20 e os 79 anos têm pré-diabetes ou diabetes (estimam-se dois milhões de casos de pré-diabetes e um milhão de diabéticos no país). A diabetes matou 12 pessoas por dia em 2015 e afetava uma em quatro pessoas que morreram naquele ano nos hospitais portugueses. Os gastos com diabetes representaram em 2014, último ano em que o observatório conseguiu apurar dados, entre 1300 a 1500 milhões de euros, o equivalente a cerca de 1% do PIB e 12% dos gastos nacionais em saúde. “Apesar destes números, continua a ser uma epidemia silenciosa que não está na ordem do dia como devia estar”, lamenta José Manuel Boavida. 

Se boa parte do levantamento está feito, atualmente não há dados nacionais sobre o número de crianças com diabetes do tipo 2. Boavida sublinha que estes casos estão associados a quadros de obesidade que, muitas vezes, não começam a ser seguidos atempadamente nos serviços de saúde.