Chicotadas. Não há lugares cativos na dança dos treinadores

Com as demissões de Manuel Machado e Jokanovic, subiram para 17 as alterações no comando técnico da I Liga em 2016/17. Igual, só há 19 anos…

“Incompetência”. É a palavra que primeiro vem à cabeça de qualquer pessoa que olhe para este triste panorama: aquele que mostra a chegada às 17!!! mudanças técnicas na Liga portuguesa 2016/17 – e ainda faltam oito jornadas…

O número foi atingido na tarde desta terça-feira, com as saídas oficializadas de Jokanovic do comando técnico do Nacional da Madeira (sendo entretanto anunciado João de Deus como seu sucessor) e Manuel Machado do Arouca, depois de cinco derrotas em igual número de jogos – neste caso, o clube garante que o pedido para o corte de relações partiu do treinador. Estes dois clubes vão já no terceiro treinador da temporada – um feito igualado pelo Moreirense na véspera, quando decidiu prescindir de Augusto Inácio, que deu ao clube o único troféu do seu palmarés (a Taça da Liga, ainda no recente mês de janeiro), chamando Petit para a fase final da época. E há ainda o caso do Estoril, que começou com o brasileiro Fabiano Soares, passou pelo espanhol Pedro Gómez Carmona e está agora entregue a Pedro Emanuel.

Das 17 mudanças de comando técnico, só três não foram ditadas pelo “chicote” dos presidentes: a juntar à de Manuel Machado do Arouca, há os casos de Jorge Simão, que decidiu trocar o Chaves pelo Braga, e Lito Vidigal, que deixou o Arouca para se aventurar num projeto em Israel, ao comando do Maccabi Telavive. Por agora, apenas cinco clubes (Benfica, FC Porto, Sporting e os dois Vitórias, de Guimarães e de Setúbal) mantêm o treinador que iniciou a temporada.

Uma odisseia de despedimentos e assunção de equívocos que começou logo em setembro: ao fim da quinta jornada, o Marítimo resolveu demitir o brasileiro Paulo César Gusmão, apostando no português Daniel Ramos. Essa mudança até correu bem – os madeirenses embarcaram desde então para um campeonato muito interessante, ocupando neste momento o sexto lugar. Outras… nem por isso.

Caso único na Europa Para encontrar um cenário semelhante em Portugal, é preciso recuar muito. Mas mesmo muito: 19 temporadas, mais precisamente. Só em 97/98 se viu algo semelhante, com precisamente o mesmo número de alterações – se não contabilizarmos Mário Wilson, que fez a transição de Manuel José para Graeme Souness no Benfica. Nessa época, por exemplo, o Sporting teve… quatro treinadores (Vicente Cantatore, Octávio Machado, Francisco Vital e Carlos Manuel). Dessa dança, refira-se, apenas um nome ainda andou esta temporada nestas contas: o de Augusto Inácio, que então assumiu o comando do Marítimo a meio da temporada, substituindo o brasileiro Marinho Peres.

A temporada atual constitui um retrocesso gritante tendo em conta os últimos anos no futebol luso. Nas últimas dez temporadas, só por quatro ocasiões houve mais de dez mudanças de treinador – e a última já foi em 2011/12 (12 mudanças). Na época passada, por exemplo, as alterações técnicas foram apenas oito – sendo que o Tondela foi a única equipa a ter três treinadores (Vítor Paneira, Rui Bento e Petit).

Alargando a pesquisa ao contexto das grandes ligas europeias, é possível constatar que Portugal é, de facto, um caso único. Os campeonatos que mais se aproximam do luso, no que a este fator em particular diz respeito, são os de Espanha e Alemanha, ambos com dez mudanças técnicas. Itália apresenta nove – três das quais no Palermo, clube conhecido por trocar de treinador várias vezes em todas as épocas –, França oito – duas das quais envolvendo portugueses, com as chegadas de Sérgio Conceição ao Nantes e Rui Almeida ao Bastia – e Inglaterra apenas sete, entre as quais Marco Silva, que assumiu o comando do Hull City a meio da prova.

E ainda podemos ver o exemplo da II Liga, que vai mais além – apesar de ter 22 equipas, mais quatro que o principal escalão: são já 19 as mudanças de comando técnico. Neste particular, o “campeão” é o Santa Clara, que vai já no quarto treinador – valha a verdade, porém, que o conjunto açoriano perdeu Daniel Ramos para o Marítimo e viu também Quim Machado partir para a I Liga (Belenenses), pelo que só a demissão de Rui Amorim e consequente troca por Carlos Pinto pode ser vista como uma “chicotada”.

“A culpa é dos dirigentes” E aqui voltamos à palavra com que iniciámos o texto: incompetência. Porque foi precisamente esta a palavra usada por José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), para descrever esta situação. Um detalhe: não se referia, contudo, aos treinadores, e sim aos dirigentes do futebol nacional. “A primeira impressão que fica é a da incongruência dos dirigentes. Estamos todos a ver as contratações com pompa e circunstância, o grande abraço, o cachecol, essas coisas todas e depois passadas duas ou três semanas estão a despedir os treinadores. Há qualquer coisa aqui que não está bem. Esta situação das SAD iliba os presidentes da desonra da sua palavra. Não tem qualificação possível esta atitude dos dirigentes do futebol português. Só demonstra a sua incompetência. Ao contratarem os treinadores, não estão preocupados com o perfil do treinador, o perfil da equipa e o perfil do próprio presidente, para fazer um estudo conveniente daquilo que são as competências e o perfil de cada um para que efetivamente isso se possa rentabilizar. Isto em empresas a sério, o gerente que tomasse uma atitude destas, naturalmente teria que ser o primeiro a ser despedido. Isto é uma vergonha a nível nacional e internacional”, disparou o dirigente, que curiosamente chegou a estar envolvido diretamente nestas danças, quando em 1998/99 orientou o Campomaiorense durante nove jornadas após a saída de João Alves para o Farense.

Certo é que estão por disputar ainda oito rondas até ao fim do campeonato e muito há ainda por decidir. Se a enxurrada de mudanças de técnicas vai ficar por aqui, só o futuro dirá…